A MARGEM

1967 . Ozualdo R. Candeias
São Paulo, 96 minutos, 16mm, p&b

 
 

Dizem às vezes que Candeias é um primitivo. Não sei o que isso significa aplicado ao cinema, pelo menos depois de 1915. A margem é um filme que me impressionou muitíssimo quando o vi pela primeira vez e que ainda hoje me impressiona. A primeira razão é que essa história de pobres que vivem às margens do rio Tietê tinha uma verdade que faltava a outros filmes. Quem o fez entendia a pobreza de maneira profunda, sabia vestir seus pobres, atribuir-lhes gestos que não significavam — isto é, que não eram signos dessa condição —, mas que eram. A segunda é que o cruzamento de sentidos era extremamente rico: a marginalidade não era um assunto exterior ao filme, mas sua substância mesmo. E para que isso acontecesse, o fato de a história se passar nas margens do rio era um achado raro. A terceira, e talvez mais importante, é que a mise-en-scène de Candeias era extremamente original. Não penso tanto no achado narrativo de uma das histórias, que consiste em usar a câmera subjetiva. Mas nessa maneira de dispor os personagens, de fazer com que eles como que flutuem na tela, como se o filme se referisse ao mesmo tempo a esse mundo real, da margem e a um outro, imaginário, e como se os personagens pudessem habitar os dois ao mesmo tempo: o que lhes era reservado pelo mundo e aquele que criavam e no que efetivamente sobreviviam.

 

Não creio que isso seja primitivo. Eu chamaria a isso de poético. Não a poesia comandada pelo autor do filme, que transforma as coisas, mas essa que vem das coisas e que, pelo talento, alguns raros cineastas conseguem fazer com que sua objetiva agarre e registre.

Inácio Araújo

Cia. produtora: Nacional Filmes

Produção, direção, roteiro e montagem: Ozualdo R. Candeias

Fotografia: Belarmino Manccini

Música: Luiz Chaves e Zimbo Trio

Elenco: Mário Benvenutti, Valeria Vidal, Bentinho, Lucy Rangel, Telé, Karé, Paula Ramos, Brigitte, Ana F. Mendonça, Paulo Gaeta, Nelson Gasparini