Portal Brasileiro de Cinema  JARDIM DE GUERRA

JARDIM DE GUERRA

1968 . Neville d’Almeida
Rio de Janeiro, 100 minutos, 35mm, p&b

 
 

Jardim de guerra foi injustamente condenado ao esquecimento pela pseudo-inteligência oficial; e pior, só resta uma cópia do filme sem os cortes da Censura, depositada pelo diretor num arquivo carioca. O filme é resultado da rigorosa formação cinéfila de Neville d’Almeida — freqüentador do Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte — e das economias do período em que o cineasta foi garçom em Nova York. Neville absorveu bem o “ideograma godardiano” e o colocou em prática com um estilo bastante pessoal. Bom gosto, boas idéias, bons planos, noção perfeita do tempo cinematográfico, direção segura e a habilidade habitual da câmera de Dib Lufti fazem de Jardim de guerra um filme superior à maioria das tentativas do cinema de autor da época — tanto do lado Cinema Novo quanto do lado Udigrúdi. Após o lançamento no Festival de Cinema de Belo Horizonte, o filme foi recolhido pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas, que o considerou “inconveniente para o momento nacional”.

 

Só foi liberado dois anos depois, com dez exigências de corte. Os planos excluídos não impediam o espectador (e a crítica) de conferir as qualidades visuais do filme, mas acabavam de vez com o projeto do diretor de fazer um filme que apresentasse os problemas daquele momento. Aliás, o plano de esvaziamento de Jardim de guerra foi mais longe: o filme só conseguiu um lançamento comercial digno seis anos após sua realização. Uma olhada na lista de cortes — enquanto aguardamos a restauração da versão integral do filme — revela o quanto Neville estava empenhado em fazer um filme que fosse a expressão do seu tempo, não só esteticamente. A Censura mandou cortar todos os posters e fotografias alusivos à Guerra do Vietnã e ao movimento feminista na China; num deles mulheres aparecem desfilando e vemos no fundo um grande retrato, em outro, lemos num cartaz: “Deus guarde a união dos povos americanos”. Mandou cortar a fotografia de Guevara. Vários diálogos de Joel Barcelos também tiveram que sair: do panfletário “o corpo em chamas de Che Guevara ainda incendeia as Américas” ao escrachado “América Latina também chamada América Latrina”; ou quando o ator responde em tom de deboche a Emanuel Cavalcanti dizendo “eu sou filho de Guevara”. E se na cópia disponível vemos um Antonio Pitanga bem comportado, na versão original o ator faz um discurso imitando os líderes do “poder negro” americano. Foi preciso cortar todo o resto do discurso depois que ele diz: “Pra vocês eu sou macaco, mas isso vai acabar...”. Um tema ainda em discussão também foi limado: quando Emanuel Cavalcanti fala, projetando um slide, sobre a necessidade de preservação do território do Amazonas, especificamente quando ele fala que o governo anda muito preocupado com o Amazonas e “nós protegemos o Amazonas”. Também ficou de fora o último plano, quando a frase “a revolução é permanente” aparece escrita num quadro negro e envolta por um balão de história em quadrinhos que sai da cabeça de Joel. Eram questões que nem podiam ser pensadas.

Remier Lion

Cia. produtora: Neville d’Almeida Produções Cinematográficas

Produção, direção e cenografia: Neville d’Almeida

Roteiro: Neville d’Almeida, Jorge Mautner, Guará Rodrigues

Fotografia: Dib Lufti

Montagem: Geraldo Veloso

Música: Fernando Lona, Vidal França

Elenco: Joel Barcelos, Maria do Rosário, Vera Brahim, Carlos Guima, Ezequiel Neves, Paulo Goes, Dina Sfat, Guará Rodrigues, Glauce Rocha, Jorge Mautner, Paulo Villaça, Antonio Pitanga, Nelson Pereira dos Santos, Emanuel Cavalcanti