Portal Brasileiro de Cinema  EU SOU A VIDA, EU NÃO SOU MORTE

EU SOU A VIDA, EU NÃO SOU MORTE

1970 . Haroldo Marinho Barbosa
Rio de Janeiro, 14 minutos, 35mm, cor

 
 

Filmado em dois dias, entre 1969 e 1970, no Teatro de Arena da Praia Vermelha (UFRJ), Eu sou a vida, eu não sou morte respeita quase integralmente o texto da peça de 1866 de José Joaquim Campos Leão, o Qorpo Santo, dramaturgo louco e pouco conhecido (mesmo depois do filme). Em todo caso, o filme não é apenas teatro filmado, nem o resultado é impessoal. Admirador de Qorpo Santo, Haroldo Marinho Barbosa toma uma peça absolutamente revolucionária para a época e adapta de forma eficaz as lutas daquele momento (contra o psicologismo, contra a gravidade de tom...) às lutas do final dos anos 1960: aceitar o cinema como uma construção mais do que como um mundo ilusório criado pela diegese, fazer do teatro declamatório o palco de lutas contra o cinema bem-comportado e de arte “invisível” (montagem não deve aparecer, nem a fotografia...).Eu sou a vida, eu não sou morte começa, como a peça, com um diálogo cantado. Não há cenário além das paredes da locação e as atuações são não-naturalistas e desdramatizadas. José Wilker usa uns óculos que claramente destoam do filme, provocando estranhamento; Tetê Medina declama suas falas ao mesmo tempo em que se maquia. Aos poucos, vão se quebrando todas as regras de identificação com a cena ou com os personagens — a ponto de Wilker ler suas falas com o roteiro na mão — para, ilusão cinematográfica à parte, estabelecer um jogo com o espectador. Um jogo notável. A peça de Qorpo Santo e também o filme lidam com a batalha entre os instintos de vida (a liberdade, o amor, as livres associações, a impropriedade) e os de morte (“o Direito, a Natureza, a Religião”), que vencem, por fim, com o assassinato do personagem que se diz vida, não morte, e que dá o título à peça. O discurso final do assassino — que tem por único interesse reincorporar sua mulher a seu patrimônio — revela o apego do senso comum às coisas mundanas (alvo também da peça de Qorpo Santo) e a situação política daquele momento:“Tua morte será um novo exemplo — para os governos; e para todos que ignoram que as espadas se cingem, que as bandas se atam; que os galões se pregam; não para calcar, mas para defender a honra, o brio, a dignidade, e a integridade nacional!”. Triunfo da rigidez formal, Eu sou a vida, eu não sou morte mantém viva sua força de um dos filmes mais singulares do cinema brasileiro.

Ruy Gardnier

Cia. produtora: Filmes da Matriz, HM Barbosa Filmes

Produção e direção: Haroldo Marinho Barbosa

Roteiro: Haroldo Marinho Barbosa (baseado na peça homônima, de dois atos, de Qorpo Santo)

Fotografia: João Carlos Horta

Montagem: Gilberto Santeiro

Música: “Pelleas und Melisande”, op. 5, de Schoenberg

Elenco: José Wilker, Tetê Medina, Renato Machado