Apresentação

Em novembro de 2001, encontrei com o crítico e ensaísta Ismail Xavier e engatamos uma conversa sobre filmes, cinéfilos e a importância que era, para o cinema, poder dialogar com as artes plásticas, o teatro e a literatura; e quanto esse entrosamento mostrava-se produtivo para todos. Na época, Ismail escrevia um novo livro centrado no melodrama, que teria alguns capítulos dedicados a Nelson Rodrigues e às adaptações de sua obra. (Nelson era de longe o dramaturgo mais adaptado para o cinema, até mais que Plínio Marcos).

Daquela conversa surgiu este projeto, e a partir de então passei a pesquisar incessantemente os filmes, a obra e a vida de Nelson. Finalmente, em 2003, depois de dois anos de pesquisa, consegui o patrocínio necessário para que esta mostra se realizasse. A essa altura eu já contava com uma grande quantidade de material recolhido: imagens, reportagens da época, listas de filmes e um sem-número de textos e bibliografias. Ao longo desse processo, eu e Ismail concordamos que o projeto não deveria centrar-se apenas nas adaptações, já que havia uma relação muito forte entre vários outros filmes brasileiros e certo mundo rodriguiano. Com essas idéias em mãos, ampliamos nosso escopo e incluímos também os filmes que de alguma maneira se relacionavam com a vida ou a obra do escritor e dramaturgo. Uma série de crônicas e entrevistas publicadas nos anos 50, 60 e 70 mostrava que ele próprio havia sido um freqüentador assíduo das salas de cinema — e que ele teria
colaborado em alguns filmes. Da leitura de O remador de Ben-Hur, surgiram pelo menos vinte outros títulos. O projeto se modificava dia a dia.

Mas será que a obra de Nelson, especialmente as adaptações, havia sido bem compreendida pelo cinema? Enquanto alguns filmes conseguiam traduzir o espírito obsessivo-dramático rodriguiano, outros cometiam verdadeiras “traições” ao transpor peças e romances sem o arrebatamento súbito que Nelson imprimia em seu
mundo, repleto de incestos, morbidez e personagens prontos a expor a natureza mais profunda. Nelson Rodrigues e o Cinema: Traduções, Traições pretende traçar justamente essas diferenças e nuances, e entender como o cinema enxergava aquele que foi o pai da dramaturgia brasileira.

É impossível ler algum texto de Nelson Rodrigues e não se sentir imediatamente arrebatado por ele: Nelson desafia quem o lê. E, nesse sentido, o que este livro propõe é também um desafio, estendido às novas gerações: com um universo tão peculiar de tragédias, amores e referências familiares, é possível que, ao virar as páginas, esses apontamentos o façam ver e sentir Nelson bem diante de você, mesmo que ele não tenha escrito uma só linha aqui.

Fazemos aqui uma homenagem a Roberto Rodrigues um dos maiores ilustradores brasileiros, assassinado aos 23 anos, em lugar do pai, Mário Rodrigues, dono do jornal Crítica. Artista plástico extraordinário, seus trabalhos ainda são pouco conhecidos do público, embora tenham mantido admiradores incondicionais como
Cândido Portinari, Santa Rosa e o próprio irmão Nelson Rodrigues, que tinha na obra de Roberto uma de suas principais influências.

Conheça mais sobre o trabalho do artista em
www.heco.com.br/roberto

Eugênio Puppo