Portal Brasileiro de Cinema  As cinco etapas do escritor

As cinco etapas do escritor

Caco Coelho

 

A primeira etapa é a do repórter e crítico, vivida nas redações dos jornais de seu pai, A Manhã e Crítica, e do jornal do amigo Roberto Marinho, O Globo. Nelson começou a escrever aos quinze anos, quando A Manhã ganhou uma nova sede, em fins de 1927. Daí até o início de 1935, sua atividade principal foi o jornalismo policial, ao lado da crítica de arte, na maioria das vezes literária. Nelson escreve com paixão sobre os poetas neoparnasianos; sua alma é da belle époque. Ele é o "cadete" do jornal, aquele que não galgou os postos inferiores. Dono de um estilo único, o que ele escreveu como repórter pode ser identificado através de traços muito característicos, tamanha é a força de seu pronunciamento.

A fase seguinte, imediatamente anterior ao surgimento do dramaturgo e do romancista, é a mais carente de informação. Sabe-se que Nelson continuou no Globo até o final de 1943, como crítico de ópera da seção "O Globo na arte lírica", e também trabalhou no Globo Juvenil. Além disso, Nelson era repórter lírico, tantas eram as temporadas de ópera que o Teatro Municipal do Rio de Janeiro executava. É possível que Nelson tenha assistido e/ou criticado algo em torno de trezentas óperas.

Só no ano de 1939, ocorreram 98 apresentações de óperas e mais de setenta peças estrearam nesse teatro. O Globo Juvenil acompanhava o jornal três vezes por semana, trazendo matérias diversas, do cartum até a publicação de clássicos em capítulos, como a Ilíada. O surgimento do dramaturgo ocorreu durante esses nove anos em que Nelson acompanhou o mundo lírico. Em 1941, ele escreveu sua primeira peça, A mulher sem pecado, que entrou em cartaz no ano seguinte, sem grande sucesso. Vestido de noiva surgiu em 1943; com o sucesso da peça, Nelson saiu do Globo e, depois de doze anos num mesmo periódico, foi para os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, antigo adversário da família Rodrigues, desde o julgamento da assassina de Roberto, irmão de Nelson.

Começa a terceira fase do escritor que, de acordo com a classificação feita pelo professor Sábato Magaldi, pode ser nomeada de mítica, e estende-se até o nascimento das tragédias cariocas, em 1953, a quarta fase. É o período de maior produção de Nelson. Durante nove anos, além das contribuições ao grupo de revistas dos Diários — A Cigarra, O Cruzeiro, Detetive e O Guri —, ele escreve seis romances e cinco peças. Para compreender essa fase, é fundamental conhecer o caminho que seu principal heterônimo, Suzana Flag, perseguiu.

Nelson já era reconhecido no meio artístico por suas contribuições à imprensa, e, em 1943, com Vestido de noiva, havia fundado o teatro brasileiro moderno. Nos Diários, publicou o romance Meu destino é pecar, em forma de folhetim, assinando como Suzana Flag. O romance virou novela de rádio e bateu recordes de vendagem. Suzana Flag se transformou então numa personalidade e obteve, antes de Nelson, projeção nacional. O sucesso fez com que escrevesse outro romance, Escravas do amor — novo sucesso e também assinado por Suzana; em 1945, Vestido de noiva volta em cartaz por mais oito semanas, seguida de nova montagem de A mulher sem pecado.Todos esses fatos somados inserem Nelson Rodrigues, de forma definitiva, num estrelato do qual ele nunca mais sairá.

Esses são também os anos de Myrna e de seu consultório sentimental, experiência única na carreira de Nelson de manter uma coluna para responder cartas de leitoras.

Novamente uma mudança de jornal determina uma transformação estética. Nelson é contratado como principal colunista do jornal Última Hora, que Samuel Wainer "ganhou" de Getúlio Vargas em 1951. Suas primeiras matérias, grandes reportagens policias, ocupam toda a contracapa do jornal e são o nascedouro de A vida como ela é..., coluna que ampliaria sua celebridade nacional. Em 1953, com a peça A falecida e o romance A mentira, assinado com o próprio nome, Nelson entra na quarta fase, a das tragédias cariocas. Nessa etapa, que vai até 1967, ele escreve oito peças e três romances. É também desse período sua contribuição ao futebol: as primeiras crônicas esportivas surgem, com periodicidade, a partir de 1954, no Jornal dos Sports, do irmão Mário Filho, e depois na revista Manchete Esportiva.

O marco fundador da quinta e última fase acompanha outra mudança de jornal. Aos 54 anos de idade, Nelson é convidado para escrever suas memórias no jornal Correio da Manhã. É nesse período que verdadeiramente conhecemos Nelson, quando ele cria um personagem que se coloca a serviço da obra, confundindo de maneira sistemática e dialética suas opiniões pessoais com as do escritor. Provém daí uma série de interpretações, nem sempre corretas, dos preceitos contidos em sua obra. Somente hoje, por exemplo, é possível ver com quanta ousadia Nelson estava denunciando a ineficiência das esquerdas durante o período militar, enxergando um óbvio ululante ao afirmar que era um reacionário porque defendia a liberdade, uma das vigas de sua obra. Esse período, que começa em 1967, vai até morte de Nelson, por insuficiência cardiorrespiratória, em dezembro de 1980.

As edições que serviram de base para esse levantamento são o Teatro completo, organizado por Sábato Magaldi para a Nova Fronteira, a Coleção das Obras de Nelson Rodrigues, organizada por Ruy Castro, e a Coleção Baú de Nelson Rodrigues, organizada por Caco Coelho, ambas para a Companhia das Letras, além de algumas esparsas edições da época. Para os dados biográficos, foi utilizado em grande parte o livro O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1992).