Portal Brasileiro de Cinema  Quinta fase: memorialista (1967-80)

Quinta fase: memorialista (1967-80)

Caco Coelho

 

A menina sem estrela (1967) — o primeiro livro de memórias de Nelson foi publicado originalmente no jornal Correio da Manhã, entre fevereiro e maio, interrompido no octagésimo capítulo. Sem ordem cronológica aparente, o texto pode ser considerado autobiográfico. Aos 54 anos, Nelson conta da infância, da iniciação sexual, do começo como jornalista. Narra a passagem pelos jornais A Manhã, Crítica, O Globo, sua estada nos Diários Associados, na Última Hora, seu retorno ao Globo e as participações na TV. Fala com emoção da família, da violência da morte do irmão Roberto e da conseqüente morte do pai, Mário Rodrigues, seu mentor literário. Revela suas leituras da juventude, o surgimento como dramaturgo, o sucesso de Vestido de noiva. E numa das páginas mais belas da literatura nacional, como afirma Otto Lara Resende, revela o drama da cegueira de sua filha Daniela. Reeditado pela Companhia das Letras, com organização de Ruy Castro.

O óbvio ululante (1967-8) — publicado originalmente no Globo, entre novembro de 1967 e agosto de 1968, é uma seleção das colunas intituladas "Confissões". Paralelamente às suas memórias, surge o ensaísta, que estava embutido em tudo o que escreveu. Nelson discorre sobre as esquerdas festivas, o Vietnã, Sartre. Destila seus personagens eternos, como d. Helder, Alceu Amoroso Lima. Apresenta seus amigos íntimos Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino. E volta à família para balizar a sua dor. Compara as épocas em que viveu, e se coloca como um ser da belle époque. Implica com a frieza do Jornal do Brasil e condena o copydesk. Reeditado pela Companhia das Letras em 1995.

A cabra vadia (1968) — com título homônimo ao programa de entrevistas que manteve na TV Globo em 1966, quando se fazia acompanhar de uma cabra verdadeira, os textos que compõem este volume foram publicados originalmente entre janeiro e outubro. É uma espécie de continuação do "Óbvio ululante. O ano de 1968 foi dos mais fervilhantes do século, com enormes repercussões no Brasil. Enquanto os jovens tomavam as ruas gritando "Muerte!", Nelson os enfrentava com implacável lucidez. O visionarismo com que coloca as questões o transformou em foco de agressões da esquerda. É através dessa persona que realmente conhecemos suas posições. Ele enfrenta o medo e se proclama um ex-covarde. Acompanha desde os Festivais da Canção até os elos que denuncia entre o nazismo e o stalinismo. Reeditado pela Companhia das Letras em 1995, com seleção de Ruy Castro.

O reacionário (1969-74) — o terceiro e último volume de crônicas de Nelson foi publicado originalmente no jornal O Globo. Saiu em livro em 1977, dedicado ao irmão íntimo Walter Clark, gênio da televisão. Durante os anos 70, Nelson era severamente acusado de ser defensor do regime militar, devido a sua pregação nacionalista, num momento em que as esquerdas estavam mais preocupadas em exaltar os países de regime comunista. Colocando sempre à frente a liberdade do ser humano, Nelson dizia ser um reacionário, porque pregava a liberdade individual, exposição clara de sua dialética. Com impressionante ironia, desafiou a intelectualidade e chegou a pedir sua alma imortal de volta. Fala de Cacilda Becker, Sílvio Caldas, Augusto Boal, além de Freud e Kafka. Critica Drummond e interessa-se pelo Piauí. Reeditado pela Companhia das Letras em 1995, com seleção de Ruy Castro.

 
Neila Tavares e José Wilker em Anti-Nelson Rodrigues

Anti-Nelson Rodrigues (1973) — a 16ª peça de Nelson estreou no Teatro do SNT, no Rio de Janeiro, em 28 de fevereiro de 1974, com direção de Paulo César Pereio, protagonizada por José Wilker. Foi escrita por insistência da atriz Neila Tavares, que queria uma peça só para ela. O dramaturgo considerou o título um "charme irônico", mas depois reconheceu que a peça teima em ser rodriguiana. O principal elemento que acrescenta nesta encenação é a piedade que passa a ter dos personagens. O happy end é uma grande diferença em relação às demais peças de Nelson. Oswaldinho, avarento escritor de cartas anônimas ao pai, é tocado, de súbito, pela graça do amor de Joice. O mundo sinistro do pai Gastão é contraposto pela promessa de idílio eterno, tábua a que Nelson se agarra durante toda a sua trajetória: a remissão pela deusa do amor.

A serpente (1978) — a última peça de Nelson, em ato único, estreou no Teatro do bnh, no Rio de Janeiro, em 6 de março de 1980, com direção de Marcos Flaksman. Os personagens repetem, quase que integralmente, os mesmos nomes do romance de estréia de Nelson, Meu destino é pecar. Peça que pode ser tomada como exemplo da concisão que seu teatro foi adquirindo: com menos personagens do que todas as outras, exceto Valsa nº 6, a história se passa na casa onde moram dois casais, cunhados entre si. Um deles faz amor o dia todo; o outro não consegue encontrar prazer, a não ser no adultério do marido com a crioula das ventas triunfais. Vítima desse dissabor, uma irmã oferece à outra uma noite com o marido. O fim é a tragédia resultante dessa improbidade.

 
A serpente, grupo Os Privilegiados

O remador de Ben-Hur (1957-79) — essas confissões culturais de Nelson foram publicadas originalmente em revistas e jornais. O livro mostra um amplo painel cultural brasileiro, comentado através das mais diversas manifestações artísticas. De ampla formação cultural, Nelson sempre dissimulou seus conhecimentos, numa nítida provocação à falta de cultura dos ditos intelectuais. Aqui, ele discorre sobre a censura que suas novelas de TV receberam, a polêmica que estabeleceu com Clarice Lispector, teoriza sobre o teatro, falando de Brecht e Zé Celso, e emociona ao pedir que o presidente Figueiredo liberte seu filho Nelsinho, preso quase uma década. Com citações filosóficas, mistura esporte, política, teatro, música, cinema. Reeditado pela Companhia das Letras em 1996, com seleção de Ruy Castro.

Cronista esportivo (1954-1980) — diferente do que se pensava, a crônica esportiva surgiu para Nelson já na maturidade, daí sua inclusão na fase memorialista. As primeiras aparecem a partir de 1954, publicadas nos jornais O Globo e no Jornal dos Sports, nas revistas Manchete Esportiva e Fatos- &Fotos. Essas crônicas foram reunidas em três livros póstumos: À sombra das chuteiras imortais (1993), que reúne crônicas até a Copa de 1970; A pátria em chuteiras (1994), que se estende até a Copa de 1978; e O profeta tricolor (2002), que se dedica as crônicas apaixonadas sobre o Fluminense.