Portal Brasileiro de Cinema  TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA

TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA

Arnaldo Jabor
RIO DE JANEIRO, 1973, COR, 35 MM., 107 MIN.

 
 

Até hoje, a mais brilhante tradução de Nelson Rodrigues para o cinema.

Arnaldo Jabor adapta a peça com indisfarçável admiração, mas também plena autonomia. No percurso, recebe o auxílio luxuoso e explosivo de Darlene Glória. A exuberância de sua performance reforça o caminho tomado pela adaptação que, entre as tantas mudanças, desloca o foco de Herculano para Geni. Os conflitos de Herculano têm maior peso na peça, especialmente nos diálogos com o médico e o padre, personagens excluídos da adaptação. O filme traz um Herculano com menos nuances e ainda mais fraco nas suas indecisões. Enquanto Geni surge grandiosa, impulsiva — pouco resta do traço interesseiro que a personagem demonstra no início da peça. Movida por suas paixões e obsessões, que irão levá-la ao suicídio, ela encarna à perfeição a máxima do melodrama que o título brasileiro de Leave her to heaven (John Stahl, 1945) soube sintetizar tão bem: amar foi minha ruína.

Numa estratégia curiosa, a adaptação não se aproveita tanto quanto poderia do apelo que a peça exerce com suas passagens de tom cômico ou de irresistível coloquialidade, além das proverbiais frases de efeito rodriguianas. José Lino Grünewald, por exemplo, que só tem elogios ao filme, vai lamentar a supressão do diálogo em que Serginho implica com o pai: "O senhor agora põe talco nos pés?". A maior aposta de Jabor para estabelecer a ponte com o grande público é o melodrama, incluindo aí até mesmo a telenovela, território já trilhado por Darlene Glória.

Tropicalista, o filme embaralha elementos de variadas estirpes, numa mistura que pode vir carregada de ironia mas também do sentimento mais arrebatador. À predominância do melodrama e de suas variações mais ou menos nobres, Jabor incorpora com desenvoltura outros tratamentos e estilos. É assim que cruzamos com o cinema documental (a filmagem na rua, com os personagens atuando em meio ao movimento intenso de carros e pessoas), as comédias eróticas da época (o encontro do viúvo moralista com a prostituta impetuosa), a chanchada perversa (o discurso do comissário, o comportamento dos presos na cela) e o musical (com Darlene cantando boleros ou rodopiando, feliz, na rua e em casa).

A claustrofobia do ambiente familiar, que assombra toda a obra de Nelson, ganha impressionante tradução nas imagens de Toda nudez. Por meio de enquadramentos, iluminação e lentes que distorcem proporções, os cômodos das casas transformam-se em ambientes tumulares, verdadeiras câmaras mortuárias, que se revelam nos corredores estreitos, nas perspectivas alongadas, nas paredes, colunas e janelas que cercam os personagens em cena. O contraste com o quarto de Geni no bordel é flagrante. São três portas-janelas que se abrem para rua, numa exposição literal da intimidade e do desejo. As conseqüências de tamanha ousadia? Toda nudez será castigada.

Luciana Corrêa de Araújos

PRODUTORA: P. C. R. F. Farias, Ventania P. C.

PRODUÇÃO: Paulo Porto

ROTEIRO: Arnaldo Jabor (baseado em peça homônima de Nelson Rodrigues)
FOTOGRAFIA E CÂMERA: Lauro Escorel

DIREÇÃO DE ARTE: Régis Monteiro

MONTAGEM: Rafael Justo Valverde

DIREÇÃO MUSICAL: Paulo Santos

MÚSICAS: Astor Piazzola; Roberto e Erasmo Carlos; Carl Orff; George M. Cohan e Al Jolson; Quincy Jones

ELENCO: Darlene Glória, Paulo Porto, Paulo César Pereio, Paulo Sacks, Isabel Ribeiro, Hugo Carvana, Elza Gomes, Henriqueta Brieba, Sérgio Mamberti, Abel Pêra