A SERPENTE

Alberto Magno
RIO DE JANEIRO, 1980-82, COR, 35 MM., 77 MIN.

 

Todos os caminhos levam a Nelson Rodrigues? Antes parece-nos o oposto: a partir de Nelson, quase todos os caminhos são possíveis. Seu modo de frasear, sua maneira de fazer os personagens se relacionarem, a reiteração do choque entre valores instituídos e desejos arrebatadores possibilitam que suas obras sejam encenadas com o realismo mais cru ou o simbolismo mais explícito.

Alberto Magno aposta todas as fichas nesse segundo caminho, apresentando as situações do filme como padrões arquetípicos que se repetem. Todos os efeitos de distanciamento são usados: interpretação teatralizante, forte antinaturalismo do espaço cenográfico, utilização de objetos de cena como comentário de ações etc.

Nada que seja muito estranho ao homem que teve como uma de suas primeiras peças Álbum de família e que fechou a carreira dramatúrgica com A serpente. O curioso é que mesmo os personagens mais arquetípicos de Nelson sempre têm uma dimensão humana, uma carnalidade, que faz desses seres algo de irredutível a uma simples pantomima de formas do destino.

É esse o grande pecado de A serpente, o filme: tomando o material de uma das peças de Nelson que mais se presta ao simbolismo e ao arquétipo, Alberto Magno pouco faz além de acavalar cenas e planos como quem não sabe muito bem se vai fazer um filme de vanguarda ou encenar o teatrinho naturalista ma non troppo. O simbolismo aparece de forma tão incisiva que não há uma segunda leitura, mas uma primeiríssima leitura que sufoca todas as outras, de tão evidente e onipresente.

Alguns momentos, no entanto, encontram uma sinergia forte entre escolha de atores e definição do personagem. Sobretudo na apresentação de Jece Valadão, rodeado de mulheres. Eternizado no Boca de Ouro de Nelson Pereira dos Santos, mas ator rodriguiano desde a primeira montagem de Viúva, porém honesta, em 1957, logo que chega à tela ele ganha a identificação necessária ao papel e ao arquétipo que seu personagem representa (o macho cheio de si).

Em A serpente, o excesso ganha contornos de espalhafato e nunca temos a impressão de que a mise-en-scène se encaminha para algum lugar. A música contrasta sobremaneira com a extravagância "moderna" da montagem da mesma forma que a interpretação das atrizes parece jamais estar no mesmo diapasão.A contrapartida do bom uso da ousadia é a atenção redobrada ao rigor — característica forte da obra teatral rodriguiana —, e, assim, A serpente resulta um pouco como um experimento falhado.

Uma nota de interesse: como em muitos casos nos últimos vinte anos, A serpente, que foi rodado no começo dos anos 80, levou quase uma década para ser apresentado ao público e jamais foi verdadeiramente lançado.

Ruy Gardnier

PRODUTORA: Magnus Films

PRODUÇÃO: Alberto Magno

ROTEIRO: Alberto Magno (baseado em peça homônima de Nelson Rodrigues)

FOTOGRAFIA: Dib Lutfi

MONTAGEM: Rubens A. Amorim

ELENCO: Jece Valadão, Monique Lafond, Cristina Berio, Marco Nanini, Zezé Motta, Ary Fontoura