BOCA DE OURO

Walter Avancini
RIO DE JANEIRO, 1990, COR, 35 MM., 108 MIN.

 

Quase trinta anos depois da primeira versão, o produtor Joffre Rodrigues resolveu refilmar Boca de Ouro. Procurou o mesmo diretor, Nelson Pereira dos Santos, e sugeriu que a trama fosse transplantada do ambiente da contravenção (jogo do bicho) para o da criminalidade (tráfico de drogas). No decorrer das negociações, houve um impasse na escolha do elenco: diz a lenda que o diretor Nelson queria Marcos Palmeira como protagonista, vetado pelo produtor por ser um nome desconhecido do grande público.

O papel acabou nas mãos de Tarcísio Meira. E a direção coube a Walter Avancini, prestigioso diretor de novelas e minisséries "globais", mas estreante no cinema — poucas vezes um profissional tão inteligente foi capaz de realizar uma obra tão equivocada.

Este Boca de Ouro lembra certas encenações de ópera descontextualizadas, como se a música existisse separada do enredo. É surpreendente a série de equívocos. Em primeiro lugar, a modernização. O mundo malandro do bicheiro de subúrbio não tem nada a ver com a realidade dura do traficante de drogas de hoje. O texto fica desprovido de contexto e a agilidade dos deliciosos diálogos se torna mero blá-blá-blá. Em segundo, a direção coloca em externas cenas acontecidas entre quatro paredes, retirando a verossimilhança, e substitui as ruas suburbanas e bucólicas da Zona Norte pelas paisagens turísticas da Zona Sul. Ninguém atinou na diferença de comportamento entre uma jovem esposa suburbana dos anos 50 e uma gatinha dos nossos dias. Em terceiro lugar, ninguém do elenco, fora Tarcísio e Maria Padilha, parece ter intimidade com a prosódia rodriguiana e sua carga de ambigüidades e segundas intenções.

O resultado parece má televisão. E o público, em nome do qual são feitas todas as facilidades da "modernização", mostrou que não é burro. Boca de Ouro II fracassou redondamente, e só merece ser assistido como exemplo do que não se deve fazer em cinema. Grandes sucessos foram os filmes de Tanko e Jabor, assim como a minissérie da Globo Engraçadinha, seus amores e seus pecados, feita em 1995 sob a supervisão de Carlos Manga, até agora as melhores adaptações da obra de Nelson.

João Carlos Rodrigues

PRODUTORA: J.N. Filmes

PRODUÇÃO: Joffre Rodrigues

ROTEIRO: Walter Avancini (baseado em peça homônima de Nelson Rodrigues)

FOTOGRAFIA: Carlos Egberto, Hélio Silva e Didi Doblutei

ELENCO: Tarcísio Meira, Cláudia Raia, Hugo Carvana, Luma de Oliveira, Ricardo Petraglia, Maria Padilha, Osmar Prado, João Signorelli