A CULPA

Domingos de Oliveira
RIO DE JANEIRO, 1971, COR, 35 MM., 83 MIN.

 

No início de A culpa, o texto de apresentação, na voz do diretor, esclarece que entramos em território mítico, mediado pela teoria freudiana das origens da humanidade: é o pai primeiro que impõe seu domínio por meio da força e organiza o grupo; mas desperta o ódio dos filhos reprimidos, que se voltam contra ele e, por fim, matam-no. "Nascidos assim de um crime, o progresso e a civilização pressupõem um sentimento de culpa, e contém na sua essência as mesmas proibições e restrições impostas pelo pai primeiro [...]. Porque a culpa nada mais é do que a expressão do eterno conflito entre os instintos de amor e morte".

A estrutura vem da tragédia, organizada pela psicanálise — tradição dramatúrgica que inclui Nelson Rodrigues e o Eugene O'Neill de O luto assenta a Electra. Em A culpa, os personagens são arquetípicos; representam as forças que, ao mesmo tempo, impulsionam e condenam a natureza humana (destino? pulsões?). A imagem das "mãos que não obedecem" é recorrente no pesadelo de Henrique, que sonha matar a noiva; na súbita e inexplicável habilidade de Heitor ao piano. O filho se pergunta por que mataram o pai; a filha não sabe de onde vem o desejo de destruir.Também não há suspense: o assassinato é mostrado logo no início; os letreiros antecipam as ações.A estrutura é colocada à mostra, como nas imagens dos alicerces do edifício em construção, que o filme elege como metáfora visual, leitmotiv de extrema beleza e poderoso efeito dramático.

Há um significativo tratamento dos espaços, que associa a imagem do pai ("grande construtor", dizem dele) à criação de prédios novos. À família materna (a mãe, a avó) cabe o recolhimento do "reduto", como é chamada a casa antiga, onde se instalam depois do crime. É o lugar da infância, do passado, imune ao vigor civilizatório e criador do pai. Nos filhos, a criação se autodevora, alimenta-se do próprio sangue, como no projeto de filme acalentado por Henrique, sobre um rapaz, apaixonado pela prima, que se descobre vampiro e constata, feliz: "Meu sangue é meu amigo". As relações de sangue se sobrepõem a quaisquer outras, numa ciranda incestuosa entre pais e filhos, irmão e irmã.

No Brasil de 1971 ou na origem dos tempos, os filhos atiram no pai e acertam a própria imagem. A melancolia diante de um projeto jovem de transformação que ficou nas negativas: não vingou, não definiu seu lugar no mundo, não conseguiu quebrar a maldição do crime e do castigo. O diálogo com as peças míticas de Nelson Rodrigues só vem acentuar a visão fatalista. Como bem atesta o personagem Edmundo, de Álbum de família, para quem "seria tudo melhor se em cada família alguém matasse o pai!", e que, antes do final do terceiro ato, já terá se suicidado diante da mãe.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: Batukfilm e B. J. D. Produções Cinematográficas

PRODUÇÃO: Domingos de Oliveira, J. Fredy Rosenberg e Paulo José

ROTEIRO: Domingos de Oliveira e Joaquim Assis (a partir de argumento de Domingos de Oliveira)

FOTOGRAFIA E CÂMERA: Rogério Noel Napoleão

MONTAGEM: Lenita Eça e Domingos de Oliveira

MÚSICA: Nelson Ângelo e Vivaldi

ELENCO: Dina Sfat, Paulo José, Nelson Xavier, Adolfo Arruda, José Roberto Oliveira, Dudu, Eugênia, Leônidas Bayer, Rubem Abreu, Kiko