Portal Brasileiro de Cinema  BONITINHA, MAS ORDINÁRIA OU OTTO LARA RESENDE

BONITINHA, MAS ORDINÁRIA OU
OTTO LARA RESENDE

Braz Chediak
RIO DE JANEIRO, 1980, COR, 35 MM., 105 MIN.

 
 

Na época do lançamento de Bonitinha, mas ordinária ou Otto Lara Resende — uma inversão do título da peça —, os anúncios de jornal insistiam na presença de sexo explícito no filme. Entretanto, poucos anos antes, o lançamento de O império dos sentidos — consagrado pela crítica apesar das cenas de sacanagem — abrira a senda para representações mais pesadas e autênticas. Em um descompasso que o dramaturgo não percebeu e este filme não trabalhou, o moralismo defendido na peça através de Edgard já estava ultrapassado diante do novo patamar simbólico atingido pelo sexo. Embora as cenas parecessem naturais, comparadas ao nascente explícito nacional — Coisas eróticas etc.—, o que ocorria era uma desnaturação do ato, levando-o a ser grosseiro, no sentido de inconcluso, de falso.

Nada mais estranho ao universo rodriguiano do que esse esvaziamento dos sentidos míticos e carnais embutidos no texto. Diga-se a favor do filme que ele tenta dar conta da discussão do conceito de verdade e seus reflexos pelos comportamentos de classe, formação cultural e impulso mítico. A estrutura formal retoma a estratégia de Rashomon, mas sem alcançá-la. A repetição da chuva e a variação dos pontos de vista não acrescentam sentido simbólico ou ambigüidade narrativa. O aspecto mais interessante dos três flashbacks é a maneira como é enquadrada a paisagem. No primeiro sobressai o lixo industrial, no segundo a paisagem natural e a longínqua presença urbana, e no terceiro os elementos da natureza, terra e água. Com isso poderia-se perceber a existência de outro momento histórico, posterior à obra rodriguiana, e de uma nova ligação entre a origem mítica, a expulsão do homem do paraíso por causa da mulher, e o momento seguinte, a construção da cultura. Não se percebe que a ditadura militar está no fim e o projeto de nação gestado entre os anos 30 e 60, pano de fundo da obra de Nelson, está se transformando de forma acelerada. Em 1980, a trama não choca mais e as situações sociais estão ultrapassadas.

 

A luz geral utilizada no filme, uma regressão aos primeiros tempos do mudo, permeia boa parte da produção nacional da época, como se indicasse uma falta de opção, um desnorteamento. Bonitinha, mas ordinária é monocórdico e carente da alta voltagem dramática do original.

Hernani Heffner

PRODUTORA: Sincrocine

PRODUÇÃO: Pedro Carlos Rovai

ROTEIRO: Gilvan Pereira, Sindoval Aguiar, Jorge Laclette e Doc Comparato (baseado em peça homônima de Nelson Rodrigues)

DIÁLOGOS: Nelson Rodrigues

FOTOGRAFIA: Hélio Silva

MONTAGEM: Rafael Justo Valverde

MÚSICA: John Neschling

ELENCO: Lucélia Santos, José Wilker, Vera Fischer, Carlos Kroeber, Milton Moraes, Sônia Oiticica, Xuxa Lopes, Wilson Grey