Portal Brasileiro de Cinema  MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA

MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA

Neville D'Almeida
RIO DE JANEIRO, 1991, COR, 35 MM., 100 MIN.

 

Numa época em que o cinema brasileiro vivia seus dias de terra arrasada, com a extinção da Embrafilme e do Concine pelo então presidente Fernando Collor, esta refilmagem de Matou a família e foi ao cinema expõe com involuntária clareza a abrangência da crise, que não se limitava apenas à falência do modelo de produção/distribuição, mas dizia respeito também à indefinição de um projeto cinematográfico para a produção comercial.

Nessa encruzilhada, o que faz Neville é correr atrás da própria história. Primeiro, tomando como ponto de partida um dos filmes- chave do Cinema Marginal — momento em que Neville inicia sua trajetória, com o longa Jardim de guerra (1968). Mas ele dialoga também, e talvez de maneira mais forte, com o cinema realizado pelo diretor na segunda metade dos anos 70, quando A dama do lotação e Os sete gatinhos alcançam grande sucesso comercial ao trabalhar o universo de Nelson Rodrigues em conexão com as estratégias do filme erótico, gênero que se consolidou ao longo da década.

No filme dos anos 60, Bressane já fazia uma ponte com a obra de Nelson ao tratar das tensões familiares e, de maneira mais direta, ao abordar as duas jovens suburbanas. Como identifica Ismail Xavier, o diálogo que sela o pacto de amor e morte entre elas é muito semelhante ao que se desenrola, logo no início da peça Álbum de família, entre Glorinha e sua colega de colégio interno — o episódio das jovens também é um dos melhores momentos da refilmagem de Neville.

O primeiro episódio, o do assassinato dos pais, poderia ter criado vínculos mais incisivos com a obra de Nelson ao tratar da exasperação num convívio familiar claustrofóbico e sem saída. Mas se ressente de uma estilização de resultados bem duvidosos, presente também no episódio das esposas burguesas insatisfeitas, que culmina em duplo assassinato. É quando o filme mergulha em procedimentos que hoje fazem parte do catálogo de clichês imediatamente associados à produção dos anos 80, como as afetações na iluminação e no enquadramento.

O episódio final, das duas jovens apaixonadas, não escapa dessa estilização, embora se beneficie dos ares suburbanos e de uma dose de ironia e cafajestagem intencional, que faz falta no restante do filme. Ponto alto é a atuação de Maria Gladys, a mãe histérica, desfiando seu discurso do rancor e do senso comum mais reacionário. Sem falar na sua sensacional peruca loira, que não deixará de ser devidamente utilizada como objeto de deboche por parte das adolescentes.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: Cineville P. C.

PRODUÇÃO: Neville D'Almeida

ROTEIRO: Neville D'Almeida (baseado no filme Matou a família e foi ao cinema, de Júlio Bressane, de 1969)

FOTOGRAFIA E CÂMERA: José Tadeu Ribeiro

DIREÇÃO DE ARTE: Liege Monteiro

MONTAGEM: Severino Dadá

MÚSICA: Lobão, Ivo Meirelles, Armandinho, Zeca Assumpção

ELENCO: Maria Gladys, Cláudia Raia, Louise Cardoso, Alexandre Frota, Ana Beatriz Nogueira, Mariana de Morais, Sandro Solviatti, Guará Rodrigues, Raquel Sorpício, Júlio Braga, Pedro Aguinaga