Portal Brasileiro de Cinema  O SEGREDO DA PORTA FECHADA

O SEGREDO DA PORTA FECHADA (SECRET BEYOND THE DOOR)

Fritz Lang
ESTADOS UNIDOS, 1948, P&B, 35 MM., 100 MIN.

 
 

É curioso que O segredo da porta fechada termine com uma saída psicanalítica para o personagem principal, que consegue verbalizar o instante traumático da infância responsável pelos assassinatos. Também é curioso que, no meio do filme, uma hóspede começe a aventar explicações psicanalíticas para os crimes cometidos, transformando-se em motivo de chacota. Longe de apresentar a psicanálise como a salvação da lavoura (o que o roteiro aparentemente tenta fazer, mas é barrado pela direção de Lang), o filme apresenta-se bastante cético quanto ao poder regenerador da ciência psicanalítica, e isso transparece fortemente pela maneira "a toque de caixa" com que Lang termina o filme, estabelecendo a cura do personagem como um deus ex machina pouco crível.

Uma relação muito semelhante pode ser estabelecida com a obra de Nelson Rodrigues. Pioneiro, no Brasil, da utilização de noções psicanalíticas no teatro — sobretudo a de inconsciente, que exerce papel fundamental em quase tudo o que ele imaginou e colocou no papel —, não é certo que Nelson possa ser enquadrado como um autor tipicamente psicanalítico. Ele parece acreditar na impossibilidade de uma "solução", de uma "cura" completa para suas peças.

O que há, e muito, na obra de Nelson, em O segredo da porta fechada e nos filmes de Buñuel (sobretudo os mexicanos, como Ensaio de um crime e O alucinado) é um questionamento profundo do papel social do homem contemporâneo: o controle obsessivo sobre o outro transformando-se na perda de controle sobre si (igualada à loucura ou a um comportamento social inaceitável), contrastando com personagens femininas desejantes que levam a paixão até o limite de suas forças, capazes de morrer ou matar pelo ente amado. Em todos esses artistas, Lang, Buñuel, Rodrigues, há um espanto constitutivo de toda a obra, que consiste em analisar como o sonho da pacata vida cotidiana burguesa é completamente oposto aos chamados de uma natureza humana agressiva, que entra pela janela se lhe fecharmos a porta.

Vale ainda assinalar, entre Nelson e este filme de Lang, a morbidez que se instala nas cenas e se transforma no coração da obra (o que ocorre em outros filmes, claro, de Rebecca, de Hitchcock, à Morta-viva, de Jacques Tourneur, passando por O quarto verde, de Truffaut). Não é só a ameaça da morte (a fuga de Joan Bennett), mas também a presença insurgente de mortos que ainda habitam a vida dos vivos. É preciso não ter medo de fantasmas.

Ruy Gardnier

PRODUTORA: Universal Films

PRODUÇÃO: Fritz Lang e Walter Wanger

ROTEIRO: Silvia Richards

FOTOGRAFIA: Stanley Cortez

MONTAGEM: Arthur Hilton

MÚSICA: Miklós Rózsa

ELENCO: Joan Bennett, Michael Redgrave, Anne Revere, Barbara O'Neil, Natalie Schafer