TUDO BEM

Arnaldo Jabor
RIO DE JANEIRO, 1978, COR, 35 MM.,110 MIN.

 

Tudo bem é o mais belo filme de Arnaldo Jabor.

De um lado, os senhores decadentes da velha casa-grande. O aposentado vivido por Paulo Gracindo não é um vilão tradicional: o que é condenável nele é o fato de não ter sido nada. E é sob essa perspectiva, do nada, que se vê o filme; e os outros, que giram em volta, são os babacas do universo da mediocridade, incapazes de compreender a complexidade do mundo. Atores a serviço dos personagens e não vice-versa, como na TV de hoje.

Do outro lado, os eternos escravos na organização bárbara da ideologia colorida de Hollywood. A ideologia do amor-rosa-gato, das lágrimas de elefante, da propriedade privada e do conformismo da pequenagrande classe média em surto permanente. Não adiantava mais se falar ou escrever sobre Orson Welles ou Che Guevara, pois já eram estranhos ao nosso imenso universo de lixo, fome e eletrônica. E a casa-grande sempre foi e será o terror sem os "defeitos especiais" de Hollywood; é o abismo a que chegou o indivíduo em sua insanidade, desespero e solidão; é o endurecimento do tempo que perdeu sonhos, memória e experimentos. O homem do extermínio não experimenta, não sonha e não sente mais. A casa-grande é esse terror.

O horror de nós mesmos. E nada dará jeito nisso, pois falta a linguagem, da memória, do verbo, da palavra, na construção e na busca do seu próprio sentido, inventando e criando a nossa existência. Linguagem roubada num abandono de Prometeu.

Em Tudo bem, há Fernanda Montenegro no seu melhor papel, depois de A falecida (do próprio Nelson Rodrigues), desconfiando que o marido tem uma amante; a caótica reforma do apartamento; o surto místico da empregada; o casamento da filha baranga com o americano... tudo é tão importante quanto a carta do marido aposentado conversando com os fantasmas dos velhos integralistas.

Tudo bem é a aplicação prática de uma possibilidade de cinema: o cinema como estrutura do pensamento em movimento. A montagem intelectual, o choque entre os planos para criar uma nova idéia, o cinema como ensaio, além da plástica e do ritmo vigoroso; tudo está ali de forma gigantesca e profundamente bem–humorada. Quanto ainda não temos a aprender com ele: é uma pena que nossa canhestra cinematografia da tal retomada não lance olhos para ele de vez em quando! Não compreendo esse ranço naturalista que o atual cinema brasileiro tem, essa necessidade burra de se apoiar num realismo collorido, publicitáriotelevisivo mal feito, com personagens que mal saem de um estereótipo caricato. Tudo fica falso e sem poesia alguma. E é por isso que vale repensar Tudo bem, que trabalhava com maestria o empobrecimento da voz humana.

Luiz Rosenberg Filho

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Carlos Alberto Diniz

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Arnaldo Jabor

ROTEIRO: Arnaldo Jabor e Leopoldo Serran

FOTOGRAFIA: Dib Lufti

MONTAGEM: Gilberto Santeiro

SELEÇÃO MUSICAL: Arnaldo Jabor

ELENCO: Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo, Maria Silvia, Zezé Motta, Stênio Garcia, José Dumont, Anselmo Vasconcellos, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Fernando Torres