Portal Brasileiro de Cinema  ... E O VENTO LEVOU

... E O VENTO LEVOU (GONE WITH THE WIND)

Victor Fleming
ESTADOS UNIDOS, 1939, COR, 35 MM., 235 MIN.

 
 

A obra máxima de David O. Selznick é um elogio ao indivíduo norte-americano, aqui travestido em indumentária feminina. Mais propriamente a seu apego a certos valores de origem (a propriedade...), sua determinação em realizar o projeto civilizatório em curso (o capitalismo é um valor em si e não tem moral...), e seu estoicismo diante das pressões da história e do destino (não enlouquecer...), tudo isso formatado com as regras de um gênero endereçado a explicar as "mudanças" e acalmar as massas pobres e ignaras, dentro de uma "América" em depressão: o melodrama.

Quando estreou por aqui, em 1940, não fez tanto sucesso nem sensibilizou particularmente a crítica, que valorizou devidamente, isso sim, Cidadão Kane, exibido pouco depois. Ninguém atentou para o fato de que era um melodrama diferente, mais explícito em sua carga sexual e portanto mais explosivo em seu poder desestruturante do núcleo familiar, em que pese certos contrapontos internos da trama, mantenedores de uma ordem e seus valores. Ninguém a não ser uns poucos que, como Nelson, viram algumas vísceras brotarem do interior da obra, sem que a "censura" — o código Breen —, os puritanos de plantão ou a Igreja se incomodassem publicamente com isso.

Nelson, já com uma trajetória pessoal de fazer inveja a qualquer melodrama, deve ter se encantado com o acabamento técnico do filme, por suas inovações estéticas no campo da cenografia, efeitos visuais, fotografia a cores e movimentação de câmera. Particularmente, a exagerada saturação do technicolor versão tri-pack deve ter encantado o futuro dramaturgo, pelo que emprestava de intensidade à representação das paixões.

Simbolismos à parte, havia outros aspectos mais diretos na obra. Refiro-me ao caráter explícito de certas cenas, como a cara de satisfação de Scarlett por ter sido possuída a força pelo marido Rhett, com quem não transava há tempos; a ambigüidade de Rhett Butler, sempre sério diante do devir histórico e cínico ou irônico diante de Scarlett; e a sucessão de aberrações familiares promovida pela fútil e interesseira Scarlett, digna de um Nelson Rodrigues amansado ou em início de carreira.

É sempre bom lembrar que o realismo do filme, examinado com lupa, destoa fortemente dos padrões narrativos em voga na indústria hollywoodiana e ignora o código que proibia imagens lascivas e depreciação do casamento e da família, prevendo-se, nesses casos, a severa punição do vilão ao final do filme. ... E o vento levou esforça-se por uma ambientação mais naturalista — dentro de parâmetros que ainda estão sendo inventados para a cor —, não nega fogo às insinuações sexuais e sustenta a condição de vilã-heroína para Scarlett, cuja pretensa punição com a solidão fica diminuída pela força do atavismo, vale dizer, da pulsão. Nada mais contraditório, saboroso e cafajeste... pelo menos para as grandes platéias de então.

Hernani Heffner

PRODUÇÃO: David O. Selznick e MGM

ROTEIRO: Sidney Howard (baseado no romance de Margareth Mitchell)

FOTOGRAFIA: Ernest Haller

CENOGRAFIA: Lyle Wheeler

MÚSICA: Max Steiner

ELENCO: Clark Gable, Vivien Leigh, Leslie Howard, Olivia de Havilland