Portal Brasileiro de Cinema  O BANDIDO DA LUZ VERMELHA

O BANDIDO DA LUZ VERMELHA

Rogério Sganzerla
SÃO PAULO, 1968, P&B, 35 MM., 92 MIN.

 
 

Nelson e Sganzerla, os ímpios.Talvez seja uma aventura minha. Uma percepção equivocada. Mas arrisco fazê-la mesmo sem ser um Sábato Magaldi, nosso maior especialista em Nelson Rodrigues. Na minha percepção, Nelson assinaria o roteiro de O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla. Um carioca, outro santacatarinense tornado paulistano, mas com aproximações notáveis. Ou uma aproximação que leva a marca dos dois, a do escracho.

Há no filme de Sganzerla uma atitude desabusada que até hoje não foi igualada no cinema brasileiro. Ficou como fórmula única. Ele jogou nas mãos das pessoas e ninguém conseguiu seguir a trilha aberta. (Há criações assim e ouso dizer que o meu romance Zero é uma delas. Abri a comporta, porém nunca mais veio ninguém por esse caminho. Que cada um siga o seu!) Sganzerla ignorou todas as gramáticas, assim como Nelson Rodrigues, já nos anos 40, com Vestido de noiva, ignorava a gramática, ainda que a conhecesse. Foi por conhecer que ignorou e criou sua própria estrutura. Eis um ponto comum entre O Bandido e o teatro de Nelson. Ambos têm uma estrutura própria em que se capturou a irreverência, a canalhice (um termo que Nelson adorava), a provocação, a impiedade, o desrespeito, a "sagrada profanação", o desacato, a linguagem que sai do popular, do coloquial, tornada tragédia quase grega. Os dois refletem a zombaria, o sarcasmo, a ironia exacerbada, a culpa, a moral às avessas (A Rebours, como diria Huysmans). Os personagens de Nelson e de O Bandido vivem à margem da moral tradicional, na contramão da sociedade, no desprezo ou supremo desdém pelo ser humano cotidiano que, de terno e gravata, leva as crianças para a escola, bate ponto, horário de comida e sexo, leis convencionais, babaquice familiar, normas esdrúxulas.

O que há neles (ainda que sofram a punição, porque a sociedade é decadente e perversa) é a impiedade que gostaríamos de ter. Praticam, como o Bandido da Luz Vermelha, as contravenções que adoraríamos praticar, proferindo blasfêmias, sendo iconoclastas, ímpios, satânicos. Tanto em Nelson quanto no Sganzerla de O Bandido temos sacrílegos diante da sociedade, malditos. O que não há é hipocrisia. São autênticos, levados pelo instinto, intuição, compulsão, panteísmo, êxtase, desejos, autodestruição, ignomínia, ceticismo.

Ou seja, são modernos, atuais.

Ignácio de Loyola Brandão

PRODUTORA: Distribuidora de Filmes Urânio

PRODUÇÃO: José Alberto Reis, José da Costa Cordeiro e Rogério Sganzerla

ARGUMENTO, ROTEIRO E DIÁLOGOS: Rogério Sganzerla

FOTOGRAFIA: Peter Overbeck

MONTADOR: Sylvio Renoldi

DIREÇÃO MUSICAL: Rogério Sganzerla