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ÁLBUM DE FAMÍLIA

Braz Chediak
RIO DE JANEIRO, 1981, COR, 35 MM., 99 MIN.

 

Álbum de família (1946) foi a terceira peça de Nelson, escrita provavelmente com a intenção de faturar na bilheteria. Mas a encenação foi proibida pela censura, que só liberou a peça dezenove anos depois, já no governo militar; a estréia ocorreu em 1967.

A peça marca o início da fase mítica (segundo classificação de Sábato Magaldi), que domina a maior parte das primeiras obras. Há grande influência do dramaturgo americano Eugene O'Neill, que desenvolveu um teatro trágico contemporâneo e experimental, e da psicanálise freudiana. Aqui os personagens não precisam ter vida própria. O autor trata de arquétipos familiares: o pai dominador, a mãe sedutora, os filhos tarados, a cunhada careta, a tia solteirona etc. A história pode se passar em qualquer lugar do mundo cristão, mantendo a mesma carga de simbologia sacrílega. Há uma casa e uma família quase isoladas do exterior, voltadas para si, entredevorando-se.

O tema subjacente é o incesto. Entre a filha e o pai, entre os filhos e a mãe. Um dos filhos, Nonô, que concretizou o ato, enlouqueceu e fugiu para o mato.Vive lá, como um homem das cavernas, rondando ameaçadoramente a casa dos pais. Jamais aparece em cena, só escutamos seus gritos; e essa ausência é uma das forças da peça. No final, quando a família desmorona, é com ele que a mãe vai se reunir, num inusitado happy end entre Édipo e Jocasta.

A adaptação cinematográfica, escrita em 1981 pelo diretor Braz Chediak e pelo roteirista Gilvan Pereira, deixa muito a desejar. Nonô, por exemplo, foi materializado, destruindo assim o eixo principal da narrativa: o perigo invisível que ronda a família burguesa. Presente, Nonô é bem menos ameaçador, não passa de um ser humano como nós todos. Esse equívoco já se repetira em outra adaptação do mesmo grupo: o filme Bonitinha, mas ordinária abre com a curra da protagonista, situação que na peça é apenas mencionada, e só no meio da trama. Menosprezando o público popular a quem é dirigido, esse recurso torna óbvio o que antes era poético. Produto do cinema comercial, Álbum de família não decepcionou seus responsáveis, que ainda investiram uma terceira vez na obra rodriguiana, com Perdoa-me por me traíres.

Chediak, cujas adaptações de Plínio Marcos (as primeiras versões de Navalha na carne e de Dois perdidos numa noite suja) renderam bons filmes, sem desvirtuar o original, exagera no tom, nas marcações e nas interpretações. O elenco é bom, sabe valorizar as palavras, mas não pode fazer milagres. Sobrevive o texto, e só por isso merece ser visto.

João Carlos Rodrigues

PRODUTORA: P. C. Herbert Richers e J. B. Tanko Filmes

PRODUÇÃO: J. B. Tanko, Alexandre Horvat e Adalberto Vieira

ROTEIRO: J. B. Tanko (baseado no romance Asfalto selvagem, de Nelson Rodrigues)

FOTOGRAFIA: Tony Rabatoni

ELENCO: Lucélia Santos, Rubens Corrêa, Dina Sfat, Vanda Lacerda, Marcos Alvisi, Gustavo José, Carlos Gregório, Miriam Fischer, Dora Pellegrino, Adriana Figueiredo