BOCA DE OURO

Nelson Pereira dos Santos
RIO DE JANEIRO, 1962, P&B, 35 MM., 101 MIN.

 

Eis um filme feito para dar certo nas bilheterias: a primeira adaptação do teatro do autor mais polêmico e proibido do teatro nacional, protagonizada pelo cunhado e dirigida por um diretor moderno, acompanhada de um concurso de seios, em plenos anos 60! Sucesso na certa ou fracasso retumbante, sem meio-termo.

Por detrás da cena, no entanto, o clima era outro. Nelson Pereira dos Santos, militante da esquerda e fã do neo-realismo, não tinha afinidade com a exacerbação de Nelson Rodrigues; e Odete Lara achava tudo falso, mesmo os celebrados diálogos do autor. Ambos fizeram o filme pelo cachê. Acontece que, por ironia do destino, Boca de Ouro resultou num ótimo trabalho do diretor e quase certamente na melhor interpretação da bela atriz. De quebra, ainda fez muito sucesso de bilheteria, desencadeando a primeira fase de adaptações das peças rodriguianas.

A estrutura deste filme é nitidamente influenciada pelo Rashomon, de Kurosawa. Um personagem conta a mesma história de maneira diferente, de acordo com as suas circunstâncias emocionais. O enredo, saído das sensacionalistas páginas policiais cariocas dos anos 50, fala do jogo do bicho, tema ainda virgem no teatro sério da época. E tem grã-finas, dignas das colunas de Ibrahim Sued e Jacinto de Thormes, envolvidas com o baixo mundo das navalhadas e assassinatos.

 

De um lado, temos uma adaptação fiel do espetáculo teatral, com os diálogos aparentemente coloquiais, a um passo da comédia e do dramalhão — destaque para o desempenho magistral de Jece Valadão, fazendo o tipo cafajeste carioca que marcou sua carreira. De outro, o realismo social do diretor, em duas seqüências antológicas: a conversa entre Leleco e Celeste numa passarela da Central do Brasil e a cena final no necrotério, com d. Guigui, o marido e os jornalistas. Este é um exemplo do melhor cinema industrial carioca pós-chanchada, porém anterior ao golpe militar. Está muito próximo, por exemplo, de Assalto ao trem pagador, de Roberto Farias, e Engraçadinha depois dos trinta, Asfalto selvagem e Massacre no supermercado, de J. B. Tanko — todos produzidos ou coproduzidos por Herbert Richers. Comercial, eficiente e popular, uma corrente promissora, ainda pouco estudada, castrada pela chegada do Cinema Novo.

João Carlos Rodrigues

PRODUTORA: Copacabana Filmes

PRODUÇÃO: Jarbas Barbosa e Gilberto Perrone

ROTEIRO E ADAPTAÇÃO: Nelson Pereira dos Santos (baseado na peça homônima de Nelson Rodrigues)

ELENCO: Jece Valadão, Odete Lara, Daniel Filho, Maria Lúcia Monteiro, Ivan Cândido, Adriano Lisboa, Geórgia Quental, Maria Pompeu, Sulamith Yaari, Rodolfo Arena, Wilson Grey, Pérola Negra, Hildemar Barbosa, Ricardo Lima, Paulo Copacabana, Francisco Santos