Portal Brasileiro de Cinema  REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL

REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (REBECCA)

Alfred Hitchcock
ESTADOS UNIDOS, 1940, P&B, 35 MM., 130 MIN.

 

No sul da França, uma jovem que trabalha como acompanhante conhece um viúvo de família tradicional inglesa. Eles se casam e ela vai morar na mansão de Manderley. O conto de fadas vira um pesadelo quando a moça se dá conta de que tudo na casa ainda gira em torno de Rebecca, a falecida mulher de seu marido. A sinistra governanta empenha-se em atormentar a nova patroa e a insegurança da jovem se acentua com o estranho comportamento do marido.

É evidente a inspiração do primeiro folhetim de Nelson, Meu destino é pecar (1944), na história de Rebecca, estréia de Hitchcock em Hollywood. Mais curioso é que o filme não se aproxima apenas dessa obra do escritor. Rebecca ganha um prazer adicional quando visto numa "perspectiva rodriguiana", sobretudo no que diz respeito às personagens femininas e a competição entre elas.

A disputa de duas mulheres por um mesmo homem, situação recorrente na obra de Nelson, ganha em Rebecca contornos fantasmagóricos pelo fato de uma delas estar morta, ser inatingível. Outra desigualdade que se inverte é a relação entre a nova senhora e a governanta: a empregada subjuga a patroa e sobre ela exerce controle e terror. Essa figura da governanta se parece com outras tantas personagens de Nelson: tias, irmãs, cunhadas, que amargam um eterno segundo plano, coadjuvantes ressentidas na trama protagonizada por outra mulher; solteironas virgens que canalizam o impulso sexual para infernizar a vida da rival.

No filme, a beleza é moeda recorrente na disputa: a deslumbrante aparência de Rebecca; a beleza mediana, embora jovem e graciosa, da nova esposa, e a feiúra de morta viva da governanta. Para Nelson Rodrigues, a relação com a beleza não é diferente. Em Meu destino é pecar, a jovem esposa diz a uma das cunhadas que ela "não regula" bem. A resposta é imediata: "Louca, mas bonita! Muito mais bonita do que você [...]. Que adianta seu juízo?".

Tanto o folhetim de Nelson quanto o filme de Hitchcock mergulham no melodrama, tirando proveito dos excessos emocionais, das reviravoltas e revelações, de estratégias que apelam mais aos sentimentos do que à razão. Esse viés melodramático se impõe não só nos folhetins do dramaturgo (e na persona pública que criou para si), como também na sua produção teatral, encontrando terreno fértil nas tragédias cariocas. Recorrendo ao estudo de Peter Brook em torno do melodrama, o crítico Décio de Almeida Prado lembra o termo "estética do espanto". "O que se quer", escreve o crítico, "é chegar rapidamente ao desenlace, passando por uma série de confrontações altamente carregadas de amor ou de ódio, ou de ambos, que se vão desdobrando até o fim em soluções imprevistas".

Nelson Rodrigues parece ter encontrado em Rebecca uma fonte preciosa para seu primeiro folhetim. E continuaria atento ao poder do melodrama cinematográfico: no início dos anos 70, o lacrimoso Love story, não passaria desapercebido nas crônicas do escritor, que tinha sensores aguçados para os efeitos do melodrama na tela e na vida cotidiana.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: Selznick International

PRODUÇÃO: David O. Selznick

ROTEIRO: Robert E. Sherwood e Joan Harrison (baseado no romance de Daphne du Maurier)

FOTOGRAFIA: George Barnes DIREÇÃO DE ARTE: Lyle Wheeler

MONTAGEM: Hal C. Kern

MÚSICA: Franz Waxman

ELENCO: Laurence Olivier, Joan Fontaine, George Sanders, Judith Anderson, Nigel Bruce, C. Aubrey Smith