Portal Brasileiro de Cinema  Homenagem a Adriana Prieto

Homenagem a Adriana Prieto

Marcia Lessin Rodrigues

 
Adriana Prieto em O casamento

Adriana Prieto e eu nos conhecemos em 1966. Tínhamos dezesseis, dezessete anos; não sei dizer se foi durante as filmagens de El justicero, de Nelson Pereira dos Santos ou antes. Minha primeira lembrança é a de nosso encontro enquanto realizávamos um teste para um mesmo papel de teatro. Tenho quase certeza de que ela estava vestida com o uniforme do Colégio Pedro II, pelo menos é assim que a vejo em minha memória e que a vi, em minha casa, muitas vezes depois disso: uma garotinha loura, sempre suave, reservada, de sainha curta pregueada azul-marinho e blusa branca debruada no mesmo tom de azul.

Nesse dia, o do teste, Adriana me falou que desejava muito o papel, mas que não sabia como fazer para manejar distâncias e horários tão disparatados: morava em Quintino Bocaiúva, subúrbio do Rio de Janeiro; de manhã, cursava o colegial na Tijuca, e à noite teria as sessões da peça em Copacabana. Sua aflição foi o bastante para que eu, adolescente, a convidasse a ficar lá em casa nos dias de espetáculo, se ela ganhasse o papel. Nem me passou pela cabeça consultar meus pais, embora isso não tenha sido um problema. Eles já tinham vivido circunstâncias semelhantes muito cedo e a receberam de braços abertos em Copacabana, no nosso apartamento à beira do mar.

Adriana ganhara de meu pai, um ex-morador do subúrbio carioca e por isso rodriguiano nato, um apelido carinhoso — Moitinha —, que pegou instantaneamente, de tão perfeito. Embora reservada, ela tinha uma maneira peculiarmente delicada, só dela, de se proteger da curiosidade alheia: ao estímulo, durante nossas conversas à mesa, respondia com uma deliciosa gargalhadinha marota e absolutamente infantil, baixando os cantos da pequena boca como que a domar um possível excesso de euforia. Risinho de alma impenetrável. Às vezes, seu olhar quase a traía, ameaçando entregar os segredos da dona, mas Adriana se abria muito pouco e não se queixava. Era seu jeito de ser: "na moita".

Minha mãe, meu pai e eu partilhamos das mesmas boas lembranças de nossa Adriana: os olhos vivos, móveis, desconfiados e atentos a tudo à volta. Suas manifestações de reconhecimento e de altivez vinham distribuídas em doses corretas. Generosa, a ponto de aceitar nossa hospitalidade e carinho sem nunca nos constranger com algum ato de humildade forçada. Jovem, tampouco demonstrava constrangimento de passar alguns dias na avenida Atlântica. Claro que o clima lá de casa, informal e descontraído, ajudava. Mas aquela garotinha era um anjo a nosso ver.

 
Adriana Prieto, Arduíno Colasanti e Márcia Rodrigues

Para si mesma, não soube, ou não pode sê-lo. Não houve tempo para aprender. O pouco que sabíamos de sua história dava conta de uma linda menina com um pai ausente (estaria morto?), um irmão homossexual e uma mãe a quem rejeitava, mas com a qual se preocupava, apesar de a terem mandado para um internato de freiras. Num dos raros desabafos seus de que tenho memória, me contou que essas mesmas freiras a molestaram, o que, certamente, reforçou sua fragilidade, abreviou sua infância e, imagino, lhe solapou a chance de desenvolver a sexualidade de maneira livre e boa. Adriana não se despia na minha frente nem na das amigas, todas adolescentes desinibidas criadas à beira da praia do Rio de Janeiro; curiosamente, deixou para fazê-lo mais tarde nas telas. Nem tampouco falava de sexo, assunto quase que predominante naquele mundinho feminino cheio de fogo e de curiosidade em relação aos homens. Como sempre, nesses momentos, usava seu risinho bonito e nervoso para lidar com a situação.

Seu irmão Carlos, que era presença constante em nossa casa e de quem também gostávamos, tomou Adriana como "projeto de vida" — não foi difícil para nós perceber a inviabilidade daquela relação torta. Era evidente o esforço excessivo que Adriana fazia para caber naquele personagem anacrônico, híbrido, que o irmão escrevera para ela: ele a maquilava, escolhia suas roupas, a ensaiava e ensinava a imitar atitudes, gestos, olhares de Marlene Dietrich, e muito provavelmente a dizia o que revelar ou não. E Adriana se deixava guiar pelo sonho do irmão, que nascera desejando ter sua beleza, seu talento e seu sexo. E lá ia ela, atuando, até certo ponto, como uma jeune fille fatale, uma Greta Garbo de subúrbio, como diria, talvez, Nelson Rodrigues. Na tela, o que predominava era seu frescor, seu talento e, quem sabe, até sua rebeldia contra aquele infantil acordo perverso. Mesmo assim não me esqueço de que, quando ela ganhou seu primeiro dinheiro de verdade, ainda investiu em um apartamento em Copacabana, onde instalou mãe e irmão. Era um anjo real.

Mas a vida não distingue anjos de demônios, e, às vezes, os coloca juntos. Quis o acaso, dessa vez trágico, que mais uma vez Adriana se ligasse a nós. Certos anjos não sabem farejar o perigo, e até saem em busca dele, reagindo de maneira muito diferente da que fez a menina fatale de O último tango em Paris, que se salva da morte fulminando, com a arma do pai, o homem de rapina com que se ligara.

As jovens Adriana Prieto e Claudia Lessin, minha irmã, tiveram mortes trágicas, indiretamente intermediadas pelo mesmo homem: um desses seres-abutres que, embora vivam e se vistam como nós, habitam as trevas e de lá saem, tal como o personagem de Marlon Brando naquele filme, apenas para sugar às mulheres a vida e, quando conseguem, semearlhes a morte. Adriana morreu vítima de um acidente de automóvel, conduzida pelas mãos desse homem que, anos depois, apresentou minha irmã, dependente química, aos seus futuros assassinos. Carlos, irmão de Adriana, também morreu jovem, vítima de aids.

Aqui ficamos nós, sobreviventes dessa tragédia da vida real, buscando todos os dias guardar as boas lembranças para não morrer de tristeza e de medo.