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MEU DESTINO É PECAR

Manuel Pelufo
SÃO PAULO, 1952, P&B, 35 MM, 72 MIN.

 

Esta primeira adaptação de um texto de Nelson Rodrigues para o cinema não foi feliz. A condenação geral, de hoje e da época, não se dirigiu à trama, embora alguns críticos de índole mais moralista — Pedro Lima, Salvyano Cavalcanti de Paiva — ou orientação católica — Hugo Barcelos — tenham frisado o lado doentio e mórbido das situações.A grande maioria preferiu insistir na inépcia do diretor Manuel Pelufo em ficar à altura de seus modelos.

Nelson adorava as obras de Val Lewton, provavelmente por seu caráter gótico, e por isso Meu destino é pecar não o desagradou de todo. Escondido sob o pseudônimo de Mabert, ele escreve no Diário da Noite (11 de janeiro de 1952) uma apreciação bastante elogiosa e publicitária. Mas, ao ver o filme em primeira mão nos estúdios da Maristela, Nelson cumpre o ritual: deixa bastante claro que só gostou de duas coisas, a fotografia de Mário Pagés e a atuação de Zilah Maria, a "louca".

Vista de hoje, a fotografia mostra-se eficaz em criar certo suspense visual e coadjuva bem certos climas de mistério, embora esteja longe de ser expressionista. Há uma leve construção barroca, explicada pela formação de Pagés e pela origem de Pelufo, que vinha do México e da Venezuela, onde fora assistente de Emilio Fernandez. A interpretação da atriz seria quase unanimemente reprovada pelo que continha de exagero ou de grotesco. Justamente o que agradou o autor do folhetim, talvez mais por contraste com a opção naturalista do restante do elenco e provavelmente da direção, do que por méritos da intérprete.

Aqui, é provável, encontra-se o cerne para os reparos velados de Nelson. Não era falta de competência estética e artística, nem Suzana Flag acreditava em uma redenção do cinema brasileiro — no depoimento ao MIS-RJ em 1967, Nelson comentou que o livro fora "muito mal adaptado" para o rádio e o cinema. Não o incomodava tanto a introdução de um final feliz, cacoete cinematográfico, traidor certamente da natureza profunda de sua escrita; o que o incomodava era a diferença de tom entre Zilah e os demais.

Peluffo, como roteirista e diretor, erra ao baixar a voltagem e o tom do original. Ao diminuir a rocambolesca trama, reduzindo o cipoal de desejos, traições e mal-entendidos, inviabiliza a carga hiperbólica e repetitiva que retira esse universo de sua banalidade cotidiana.

Para o escritor, isso feria de morte seu original. Para o público ainda restava um enorme e inédito desfile de teratologias. Não conheço nenhum filme anterior, dos dramalhões do mudo, passando por Ganga bruta e O ébrio, que invista de modo tão direto e intenso nas taras e "desvios" de uma família. Estava aberta a senda. Nelson Rodrigues chegara ao cinema.

Hernani Heffner

PRODUTORA: Companhia Cinematográfica Maristela

PRODUÇÃO: Mário Civelli

DIÁLOGOS: Carlos Ortiz

ADAPTAÇÃO: Manuel Pelufo (baseada no romance homônimo de Nelson Rodrigues)

FOTOGRAFIA: Mário Pagés

MONTAGEM: José Cañizares

CENOGRAFIA: Luciano Gregory, Franco Ceni e Francisco Balduino

MÚSICA: Henrique Simonetti

ELENCO: Antonieta Morineau, Alexandre Carlos, Zilah Maria, Rubens de Queiroz, Maria de Lourdes Lebert, Great George, Nair Pimentel, Ilza Menezes, Iracema, Diana Lepore, José Penteado, Adolfo Leicys, Artur Carvalhal, Ayres Campos, Raul Breda, João Pinto de Oliveira