BEN-HUR (BEN HUR)

William Wyler
ESTADOS UNIDOS, 1959, COR, 35 MM., 212 MIN.

 

Nas diversas subtramas de Ben-Hur, há vingança, desejo, violência, desagregação familiar, preconceito e sobretudo persistência, um eterno remar contra a maré, que durava quase quatro horas. Essa era uma imagem que agradava a Nelson Rodrigues, embora se distanciasse das intenções de William Wyler, que vinha se especializando em libelos pela paz em meio à corrida nuclear — Sublime tentação(1956), Da terra nascem os homens (1958). Na versão dos bastidores, revelada por Gore Vidal, o filme não passaria de um épico homoerótico, temperando tragédia com redenção cristã. O verdadeiro final do filme seria a famosa e sádica seqüência da corrida de quadrigas, derradeiro enfrentamento entre Ben-Hur e o seu amor de infância, o tribuno Messala. Só a morte de um dos dois poderia impedir a transgressão do inconfessável tabu.

Nelson não indicou ter feito essa leitura do filme, e provavelmente se deliciou muito mais com o enredo sinuoso e com o lado kitsch da imagem. Além disso, pode ter notado a presença de um de seus subtemas recorrentes, o da pureza conspurcada. Pureza que coincidia com a fase infantil e adolescente, aumentando a carga dramática da queda — não por acaso ele se autodenominava um anjo decaído. Está ausente de Ben-Hur a figuração do pai como origem e fonte de todo o mal. Mas não lhe é estranha uma decorrência importante desse esquema, só que com uma inversão decisiva em relação à obra de Nelson Rodrigues de 1959-60. Enquanto no filme a pureza infantil representa a idéia da inocência, em peças como Os sete gatinhos e Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária, crianças e jovens exibem sua perversidade atávica.

A perversidade atravessa o filme de cabo a rabo, manifestando-se nas relações étnicas, sociais e até na insensibilidade humana que instaura o flagelo divino, com o corolário do açoite como cena recorrente. Insiste na composição interpretativa de Heston, que anda em cena como se estivesse recebendo bordoadas por todos os lados, e na composição visual, em que os jogos de luz e sombra e os enquadramentos redimensionam e distendem essa "dor" invisível, metafísica. Esse maneirismo pictórico de teor seiscentista, ainda não devidamente explorado, conduz o personagem para a beira do abismo, para a posição limítrofe entre dois mundos. Entre a perda definitiva e a possível redenção, sobressai no teatro de Nelson Rodrigues a constatação óbvia de que são as duas faces indissolúveis da moeda chamada drama humano. A perda se consumará com maior clareza e impacto quanto mais o desejo cobrar sua fatura e o materialismo se tornar o norte de ação do indivíduo. A redenção só se consuma em sua cosmovisão pela chegada da morte.

Wyler parece ter percebido os desdobramentos dessa tensão, prolongando sabiamente o drama para além do embate entre Ben-Hur e Messala. Após ter reconquistado posição e realizado sua vingança, o herói permanece atormentado, impotente diante do desafio maior, reconstruir a família, algo que só realizará com a providencial e artificial ajuda divina. Nelson nunca chegou a essa solução. Para ele o caráter épico da humanidade resumia-se a uma queda vertiginosa e cíclica, nada mais.

Hernani Heffner

PRODUÇÃO: Sam Zimbalist

ROTEIRO: Karl Tunberg (baseado no romance do General Lew Wallace)

FOTOGRAFIA: Robert L. Surtees

MÚSICA: Miklós Rózsa

ELENCO: Charlton Heston, Jack Hawkins, Stephen Boyd, Haya Harareet, Hugh Griffith, Martha Scott, Cathy O'Donnell, Sam Jaffe, Finlay Currie, Frank Thring, Terence Longdon, Andre Morell