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Les carabiniers (Tempo de guerra)

França, 1963, p/b, 35 mm, 80’



Durante uma guerra, camponeses são convocados para lutar em nome do rei. Os emissários do soberano convencem esses indivíduos prometendo riquezas e incríveis experiências de vida. Depois de combates sangrentos, eles voltam para casa e mostram às suas mulheres tudo o que conseguiram em suas aventuras.

Tempo de guerra seria um filho legítimo do maio de 68 se não tivesse sido realizado em 1963. Nesse surpreendente filme, Jean-Luc Godard pressagiava a nova democracia, as revoltas estudantis, as hostilidades contra o autoritarismo e o anacronismo da Quinta República liderada por Charles de Gaulle. Nenhum dos temas mencionados está diretamente colocado no filme, mas eles estão lá, latentes, prenunciadores de uma nova e moderna sensibilidade. O filme poderia também fazer parte do segundo movimento da carreira de Godard, quando ele se junta a Jean-Pierre Gorin e ao Grupo Dziga Vertov e vai para as portas das fábricas e das universidades fazer militância política. Mas, lembremos, ainda estamos longe de maio de 68. Aos olhos da crítica e do público culto, no início dos anos 1960, o diretor permanece o modernista (pós-moderno avant la lettre?) do início da carreira.

Ao se debruçar sobre o delicado e arriscado tema da guerra, Godard anda na contramão da sociedade francesa. O fim da Quarta República havia levado o país a um estado geral de apatia e despolitização. Para o diretor, era um mau agouro. “O desdém político pavimenta o caminho do fascismo”, chegou a dizer. Não foi uma surpresa o fracasso comercial de Tempo de guerra. A letargia, a indiferença pelo tema da guerra e o fato contraditório de a França experimentar seu milagre econômico com o fim da Guerra da Argélia, em 1962, não seriam os únicos motivos para o insucesso do filme. A razão principal para Tempo de guerra não cair nas graças do público (médio) é o tratamento que o diretor lhe dá. O filme é uma fábula. “Uma fábula estúpida e malvada”, como chegou a definir Jean-Luc Douin.

Ao contrário dos filmes de guerra tradicionais – mesmo aqueles com intenções críticas e pacifistas –, aqui não há a glorificação da violência. Godard faz questão de demarcar seu campo de ação no universo do cinema. Sua premissa inicial é a de que a cultura é a regra, a arte é a exceção. O cinema escapista de entretenimento é a regra, o cinema de Godard é a exceção, portanto, arte. O cinema de entretenimento é realista (ou quer se passar por realista), o cinema de arte quer afirmar que “o realismo não é como as coisas são, mas como elas verdadeiramente são”. Sublime e paradoxal aforismo, não é mesmo? Godard tomou a expressão de Brecht e faz de Tempo de guerra uma fábula patafísica dividida em quatro atos bem definidos: 1. O enunciado do rei. 2. A guerra. 3. O retorno. 4. O poder muda de mão. Nos quatro atos não há heróis nem qualquer tipo de recurso para a adesão sentimental. Godard usa do nonsense, do cinismo tragicômico para sublinhar a natureza estulta, insensata da guerra.

“Brecht revisto por Alfred Jarry. Ubu Rei no campo de batalha”, outra vez fazendo uso da definição de Douin. Indivíduos lobotomizados, robotizados, estupidificados pela propaganda do rei. Em Tempo de guerra, Ulisses (Matino Mase), Michelangelo (Albert Juross), Vênus (Geneviève Galéa), Cleópatra (Catherine Ribeiro) são os crédulos camponeses convocados (apenas os varões, evidentemente) para a guerra e, assim, prestar um nobre serviço ao grande soberano. Ulisses, Michelangelo, Vênus, Cleópatra, insignes nomes para indivíduos pequenos! Muito bem, os emissários do rei convencem Ulisses e Michelangelo dizendo que eles vão ter uma formidável experiência, conseguir tudo aquilo que sempre desejaram ter. Godard infantiliza seus personagens no limite da idiotia malsã. Situações e diálogos são funestos, sinistramente pueris. “Nós vamos poder saquear as pessoas sem sermos punidos, maltratar velhinhos e crianças, massacrar inocentes, incendiar cidades, violar as mulheres, conseguir calças chiques, elefantes, Alfa Romeo, guitarras havaianas?”, são indagações que (imaginamos) encheriam Ubu de orgulho.

Tempo de guerra nos faz refletir sobre alguns filmes de guerra excepcionais, como Nascido para matar (1987), de Stanley Kubrick. Teria o diretor norte-americano se referido ao filme de Godard na cena final em que recrutas marcham cantando musiquinhas infantis? Nesse e em alguns outros filmes de Kubrick, os personagens – quando submissos a generais, políticos etc. – repetem mecanicamente suas insanidades em um ambiente alucinatório e absurdo. Em Godard, o rei e seus súditos de alta patente são invisíveis. Ao contrário de Kubrick, o diretor francês abre mão do virtuosismo espetaculoso e utiliza uma linguagem “pueril” que alude ao cinema mudo. Isso mesmo: a “ingenuidade” do primeiro cinema serve bem à boçalidade grotesca da guerra, desvelada pela aparente frivolidade dramatúrgica de Godard. No fim das contas, ele coloca em xeque até mesmo o suposto atributo do cinema (leia-se do filme-espetáculo industrial) como instrumento de indignação e de crítica à barbárie humana. Tempo de guerra é o cinema como negação do ilusionismo cinematográfico, o que parece estar bem simbolizado na cena em que Michelangelo se joga sobre a tela de cinema tentando possuir a imagem da atriz desnuda na banheira.

Sérgio Moriconi



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


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