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Comment ça va? (Como vai você?)

França, 1975, cor, 16mm e vídeo, 78 min



Um jornalista militante sindical participa da gravação de um documentário dentro da gráfica de um jornal comunista. É a oportunidade para uma reflexão sobre os processos de produção, tratamento e mal-tratamento da informação pelo jornalista que usa de seu poder para transformá-la.

 

Numa conversa entre Godard e Serge Daney, um insight se afirma de forma virulenta contra o marasmo enlutado do leitmotif da morte do cinema: “O cinema clássico filmou as coisas; o cinema moderno, o que existe entre as coisas”. Esse espaço-tempo intersticial, que nos apresenta as coisas do mundo antes de tudo como relação, preside exemplarmente todos os filmes de Godard, estruturando-os como aventuras cognitivas e fenomenológicas da Diferença. E Comment ça va? talvez seja o seu filme pedagógico mais acessível, talvez por nos apresentar as divisas de seu combate sob a forma de petardos panfletários, enunciados de modo categórico pela personagem feminina, que junto ao personagem do comunista dirige um filme em vídeo sobre as condições de trabalho na França do final dos anos 1970. Mas se em Godard o que importa é menos a manifestação das coisas do que sua interpolação dialética, temos, além das discussões sobre representação e poder que os codiretores empreendem, também o diário do cotidiano de um casal, além de dezenas de fotos e um crescendo ruidoso, que informa e transborda o filme: a Revolução dos Cravos em Portugal. É sempre assim em Godard, e este filme talvez o ilustre mais exemplarmente do que qualquer outro desta fase: os consórcios entre os corpos e as paisagens (naturais e culturais) ressoam e amplificam um extracampo inominável, político, histórico: nada do que nos aparece se dá de forma impune; nada é inocente. Tudo é o efeito de uma camara obscura da significação, que imanta o espaço intermediário entre as coisas com seus virtuais prolongamentos hermenêuticos; tudo deve vir a significar, mas a Iluminação pelo sentido apenas pode se dar no entrechoque da colagem: nada preexiste às coisas em si (não há mais, como no idealismo clássico, a crença em coisas em si), tudo advém no devir de sua provocação recíproca: imagens e sons, diegeses, histórias e Histórias.

“O cinema que nos interessa é o cinema da escritura, e a escritura pressupõe necessariamente um espaçamento entre as linhas: o extracampo” (Daney). Não há outra dívida para os modernos senão esta, e o cinema de Godard sempre se empenhou em resgatá-la: é preciso não apenas mostrar, mas desvelar significações e analogias, emprestar à matéria imagética uma espessura cognitiva que a imagem, a princípio inocente, parece recusar; a montagem é essa operação violadora, cuja função consiste em forçar a imagem a pensar, e o processo necessariamente implica a coabitação desta com outras imagens e sons, geralmente em décalage em relação ao que nos é mostrado. A montagem é o instrumento privilegiado do extracampo (aqui chamado de olhar), já que se incumbe de fraturar o plano presente, submetê-lo ao império do descontínuo e assim infiltrar a atualidade do que se mostra com a virtualidade da hipótese: a montagem impõe à imagem a injunção de abandonar o Éden da fascinação e aportar no Purgatório da linguagem, abandonar o hic et nunc epifânico do campo em nome da ambiguidade enunciativa do extracampo; em Comment ça va?, o personagem do comunista, acostumado a ver o mundo sob o prisma “infraestrutural” dos modos de produção, vai sendo conduzido a interpretá-lo em termos superestruturais de significação e espólio cultural, e o vídeo documentário sobre as condições de produção de um jornal francês acaba necessariamente por anexar à sua démarche a Revolução dos Cravos, mas também o romanceiro da relação de um filho com a memória do pai, reciclada por meio de sua mais nova relação amorosa; as imagens que não vemos da Revolução dos Cravos (acessível apenas por duas fotografias, que adquirem um devir cinematográfico ao dialogarem entre si, através do campo e contracampo e da fusão), das greves e comitês, assim como do pai desaparecido, presente unicamente por meio de cartas, são os motivos orquestrais do filme: tudo aquilo que vemos é informado por um contexto vertiginoso, que ultrapassa (e suprassume) fronteiras geográficas, de língua e de classe.

O extracampo é uma experiência de generosidade hermenêutica, pois o entr’acte amoroso como o meeting ideológico encontram seu lugar como cúmplices em uma estratégia terrorista de dessacralização da imagem vista pelo significante lido. Se este é um filme estrutural de dialogismo, jamais poderia ser considerado um território de reconciliação. O que Godard busca é justamente chamar a atenção para o processo, nunca estacioná-lo em um termo: a construção do olhar, a imantação significativa do campo pelo extracampo, a discussão de papéis (homem e mulher, patrão e empregado, diretor e espectador). As coisas constituem um ponto de partida inalienável (Godard é um grande cineasta, portanto parte sempre de uma base materialista: a máquina de escrever, o copo de absinto em primeiro plano, a máquina de impressão) apenas se as considerarmos como trampolins, necessários mas não suficientes, para a edificação do sentido.

José Luiz Soares Junior



Produção

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