Portal Brasileiro de Cinema / Godard APRESENTAÇÃO   ENSAIOS    FILMOGRAFIA COMENTADA    FILMOGRAFIA    FICHA TÉCNICA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO

APRESENTAÇÃO


ENSAIOS


FILMOGRAFIA COMENTADA

Anos 1950

Anos 1960

Anos 1970

Anos 1980

Anos 1990

Anos 2000

Anos 2010


FILMOGRAFIA


SOBRE OS AUTORES


FICHA TÉCNICA


PROGRAMAÇÃO


COBERTURA DA IMPRENSA


CONTATO


Six fois deux (Sur et sous la communication) (Seis vezes dois: sobre e sob a comunicação)

França, 1976, cor, vídeo, série de 12 episódios (610’ no total)



Série de doze programas de televisão formada por seis dípticos, dos quais a primeira parte traz sempre um ensaio crítico (sobre o desemprego, a mídia e a própria série), e a segunda, entrevistas feitas por Godard com pessoas as mais diversas.

Em junho de 1976, o INA (Instituto Nacional do Audiovisual, que à época tinha um ativo departamento de pesquisa, sob a direção de Manette Bertin) e a FR3 (terceiro canal público de televisão da França) convidam Godard para realizar um ou dois programas dentro de um conjunto de doze títulos que deveria ocupar um horário semanal do canal durante o verão, “para preencher os buracos de uma televisão em férias”, segundo o cineasta. A encomenda é urgente, mas Godard, que havia anos desejava entrar na televisão a partir de sua própria lógica – a da recorrência dos programas e a da “variedade” – propõe assumir toda a série: “Respondi que era impossível fazer um filme de uma hora em dois meses, e que era mais fácil fazer doze. Porque uma hora de entrevista leva uma hora, mas fazer um filme clássico de uma hora sobre alguém toma muito mais tempo. Fornecemos uma grade, e eles concordaram”. Naquela altura, a qualidade do equipamento técnico de que dispõe a Sonimage em Grenoble, na realidade uma unidade de produção de vídeo autônoma, torna o projeto possível e ajuda a convencer o INA e a FR3. Com Anne-Marie Miéville, Godard se lança, no começo de julho, na realização dos programas, exibidos em dípticos ao longo de seis domingos, de 25 de julho a 29 de agosto de 1976, no primeiro e no segundo horário da noite. Os episódios têm duração variável, entre 42 e 58 minutos, totalizando um pouco mais de dez horas, empreitada titânica para um tempo tão curto de produção, e até hoje a série mais longa já realizada por Godard. Intitulada logicamente Six fois deux (Seis vezes dois), com o subtítulo Sur et sous la communication (Sobre e sob a comunicação), ela concretiza em parte o projeto coletivo de uma série de dez filmes intitulada Communications (Comunicações), que Godard e Gorin haviam tentado organizar em 1968. Sucedem-se assim os episódios 1a: Y’a personne (Não tem ninguém) e 1b: Louison; 2a: Leçons de choses (Lições de coisas) e 2b: Jean-Luc; 3a: Photos et compagnie (Fotos e companhia) e 3b: Marcel; 4a: Pas d’histoire (Sem história) e 4b: Nanas (Moças); 5a: Nous trois (Nós três) e 5b: René(e)s; 6a: Avant et après (Antes e depois) e 6b: Jacqueline et Ludovic.

Os dípticos seguem de maneira mais ou menos estrita a mesma regra, parcialmente comentada no final, no episódio 6a. A primeira parte, indicada pela letra “a”, é sempre um ensaio crítico ou reflexivo, que confronta atos e falas diversas e se vale amplamente da montagem, das incrustações de palavras não raro móveis ou piscantes, e do desenho sobre a imagem – notadamente de flechas, cuja força simbólica é objeto de um desentendimento entre Godad e René Thom no episódio 5b. Thom sustenta que a flecha esquematiza uma tendência universal ao “movimento de dois em direção a um”, assim como as gotas d’água sempre tendem mais a se unir do que a se separar, afirmação que Godard comenta inscrevendo “falso” sobre a tela. A segunda parte, indicada pela letra “b”, é sempre dedicada a entrevistas com um número limitado de pessoas, às vezes apenas uma (os títulos são os próprios nomes dos entrevistados), fazendo uso parcimonioso dos ângulos de enquadramento, dos raccords e dos efeitos de vídeo, para deixar que a palavra flua melhor. As relações entre as partes são evidentes em alguns casos (3b traz o retrato de um cineasta amador, logo depois de 3a ter começado com a análise de uma imagem publicada na imprensa comentada pelo fotógrafo que a havia feito) e, em outros, obscuros, como entre 5a e 5b. Trata-se, de todo modo, de colocar frente a frente uma demonstração crítica e um ou mais encontros que dela constituiriam uma alternativa em ato (a crítica por outros meios). Esboçando um recorte sociológico selvagem da França da época, a série sistematiza os planos longos e fixos, a ausência de contextualização, as demonstrações recônditas. Godard não cede nada à estética televisiva ordinária. A aparente banalidade social dos sujeitos encontrados (os desempregados, um camponês, alguns jornalistas, mulheres sozinhas, o empregado de uma relojoaria, um cientista, dois doentes mentais) e a trivialidade das imagens publicitárias ou jornalísticas convocadas como suporte para as demonstrações conduzem o espectador a conteúdos familiares, mas que foram obstinadamente distanciados pela filtragem da monstruosa máquina de pensar que é Six fois deux.

Essa descrição formal é importante: ela desenha a grade no interior da qual a louca empreitada de Six fois deux consegue se completar, respeitando seus prazos. “Grade” no duplo sentido, televisivo (um esquema de repartição do tempo) e conceitual (um esquema de distribuição das ideias). A outra grande série realizada para a televisão por Godard e Miéville, France tour détour deux enfants (1977 – 1978), organiza-se no ano seguinte a partir das aparições recorrentes das duas crianças do título. Inversamente, Six fois deux surge primeiro como uma sucessão de filmes autônomos, sem qualquer conexão explícita a não ser a retomada do plano dos créditos, mas tecendo juntos uma recapitulação das preocupações políticas, estéticas e existenciais do Godard dos anos 1970. São “elementos” no sentido químico: como numa tabela periódica, são os componentes fundamentais do sistema godardiano que se apresentam aqui. A urgência da encomenda e a necessidade de uma rápida execução conflitam com esse programa de recapitulação, mais próximo das temporalidades dilatadas da reflexão, da ruminação profunda. Disso nasce uma espécie de “tabela periódica” em que as mais complexas intenções são expostas em estado bruto ou, como escreverá Gilles Deleuze, sem mediação [de plain-pied], na frontalidade das questões e na simplicidade dos dispositivos. É também por isso que os diálogos e monólogos não raro tomam formas gaguejantes ou fastidiosas, um aspecto de pensamentos em voz alta cheios de uma “confusão sublime”, primeira violência de Godard ao decoro televisual.

Entre os elementos da tabela periódica, há por exemplo “o amor ao trabalho”, a partir do qual se interrogam, por embates marxistas, as lógicas dos assalariados e da potência operária, na confrontação entre gestos remunerados e não-remunerados (em Y’a personne ou Marcel), ou na longa escuta dos que tentam superar a alienação: Louison, o agricultor que descobriu na labuta a “não-propriedade do solo” (1b), ou Jean-Luc, o cineasta que “trabalha duro para entender” e que gostaria justamente que a televisão mostrasse cotidianamente os gestos do trabalho (2b). Ao lado do amor ao trabalho está o “trabalho do amor”, a dialética permanente das relações homem-mulher que Godard raramente explorou com tanta complexidade quanto em alguns episódios de Six fois deux. O enunciado do problema, o da dificuldade de filmar o amor (“O amor, é mais fácil mostrá-lo de uma maneira falsa”, 2b), desemboca nas expressões literais do trabalho do amor (a prostituta interrogada em Nanas, 4b), tanto quanto na solução plástica de uma separação permanente dos membros do casal e de suas inclusões-exclusões mútuas por efeitos de incrustação em vídeo: acasalamentos sem contato, corpos sobre corpos ou “corpo a corpo”, como Godard tinha experimentado no ano anterior em Numéro deux: é o que se vê na longa carta-poema do magnífico episódio 5a, Nous trois, que começa com “Minha adorada...”. O trabalho do amor é experimentado na separação, no intervalo, no “e” que está no coração teórico dos episódios 2a e 4a. Sobre imagens fixas, as fronteiras entre os corpos enlaçados de um homem e uma mulher (2a) ou entre o seio de uma mulher e o rosto de seu bebê (4a) são incansavelmente sublinhadas, retraçadas como a própria condição de uma relação produtiva ou de uma verdadeira “comunicação”. “Se há comunicação, há distância (...). É disso que não podemos nos esquecer, o rio do meio, a correnteza” (4a): a permanente metamorfose ou, como diz o cientista René Thom no episódio 5b, a morfogênese produzida pelo intermediário, no lugar em que as flechas se acumulam e se entrecruzam.

A provocação que constitui Six fois deux com respeito às formas televisivas tradicionais é ainda mais notável quando se tem em vista que a transmissão de fato ocorreu de acordo com os horários e o calendário prometidos, o que não se deu com France tour détour deux enfants, para tristeza de Godard, que não queria ver seus programas transformados em objetos-fetiche da cinefilia. Hoje só se pode imaginar o efeito de estupefação produzido pela irrupção dos episódios da série no canal, sua pura eficácia enquanto intervalo no interior da programação: Six fois deux é efetivamente “o rio do meio”, uma brecha vertiginosa no fluxo das imagens ordinárias. Godard chega a se permitir, gesto supremo, cortar o som por mais de 50 minutos durante o episódio 5a, em que a terrível carta de amor é inscrita sobre a tela num silêncio absoluto, enquanto vemos rostos isolados pelo negro, em falsos campos-contracampos que se superpõem e se mesclam sem jamais se fundir. A televisão de Godard é essa carta perpetuamente colocada entre as coisas e os seres, como uma faca ou uma flecha aberta.

Cyril Béghin



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


Sugestão de Hotel em São Paulo, VEJA AQUI. Agradecimentos ao Ibis Hotels.


É expressamente proibida a utilização comercial ou não das imagens aqui disponibilizadas sem a autorização dos detentores de direito de imagem, sob as penalidades da lei. Essas imagens são provenientes do livro-catálogo "Godard inteiro ou o mundo em pedaços" e tem como detentoras s seguintes produtoras/ distribuidoras/ instituições: La Cinémathèque Francaise, Films de la Pléiade, Gaumont, Imovision, Latinstock, Marithé + Francois Girbaud, Magnum, Peripheria, Scala e Tamasa. A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior.
Comprometemo-nos a repara tais incidentes.

© 2015 HECO PRODUÇÕES
Todos os direitos reservados.

pratza