França, 1991, cor, 35mm, 8’
Ensaio de 1990 encomendado pela Unicef dentro do projeto Como vão as crianças?
Entre cenas de guerrilha, fragmentos de Vitor Hugo e uma imagem de Delacroix, as crianças brincam.
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Na preparação de seu livro Jean-Luc Godard, cinema historian (2013), Michael Witt entrevistou o cineasta e citou, a propósito do seu interesse por Sarajevo, o curta L’enfance de l’art:
MW: “Antes de Je vous salue Sarajevo (1994), você fez um curta com Anne-Marie Miéville, L’enfance de l’art, que já evocava a guerra”.
JLG : “Sim, ele [...] é muito ruim”.
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Uma mulher lê para um menino trechos de Victor Hugo. Ouvimos as bombas que caem e os aviões de guerra que passam. A guerra está perto. A leitura prossegue, não longe de um homem armado (guerrilheiro urbano?). Uma bola de futebol entra no quadro, o menino ouve o texto e se distrai com uma cruz de madeira. Ele vai brincar, e a mulher transita entre a criança e o guerrilheiro.
O texto de Hugo retorna: “A Guerra, civil ou com estrangeiros, é iníqua; ela se chama crime”. No verso de cartões postais com reproduções de Delacroix – La liberté guidant le peuple –, o guerrilheiro escreve uma frase que só se completará no fim do filme, depois de sua morte: “De todas as tiranias, a mais terrível é a das ideias”. A morte, o sangue.
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Como vão as crianças?
A resposta dos cineastas é bela. As crianças existem; elas escutam, se aproximam da resistência à injustiça de Victor Hugo, brincam e jogam. Enquanto os adultos se movem entre bombas – sem que saibamos se estas defendem, conquistam ou lutam pela democracia –, as crianças se encontram para ver o mundo de cabeça para baixo ou para cima. A criança do filme não ignora o terror, a morte e o sangue. Quando a bomba explode, ela vê. Quando o homem jaz atingido por um tiro, ela está ao seu lado.
Como estão as crianças?
Não estão alienadas do terror ou da necessidade do combate e da resistência. Entretanto, seguindo uma forte tradição do cinema que deu protagonismo à criança, mesmo diante da urgência do mundo adulto, mesmo diante das opressões que a obrigam a sobreviver e interagir sem proteção, uma resistência propriamente infantil permanece. Pixote, A infância de Ivan, Jogos proibidos – a cruz como brincadeira, novamente. A violência está ao lado e tomando as vidas infantis, mas, como em Godard, a criança inventa uma resistência não resignada, uma convivência não subordinada à violência. A infância da arte talvez encontre aí um sentido. Não porque a infância preceda a vida adulta ou careça de algo, mas porque ela se encontra nesse delicado ponto de equilíbrio entre a violência que a afeta – e que eventualmente se faz necessária como apostaria o próprio Victor Hugo – e uma independência, uma autonomia, como se a arte e a criança pudessem operar em dois mundos simultaneamente: um material, barulhento e cheio de sangue, outro lúdico e com formas ainda não dadas para o corpo e para a vida. A infância da arte expressa liberdade e afetação, da arte e da criança.
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Modestamente, eu diria a Godard: Te enganas, esse filme é dos bons.
Cezar Migliorin
Produção
Apoio
Correalização
Copatrocínio
Realização
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É expressamente proibida a utilização comercial ou não das imagens aqui disponibilizadas sem a autorização dos detentores de direito de imagem, sob as penalidades da lei. Essas imagens são provenientes do livro-catálogo "Godard inteiro ou o mundo em pedaços" e tem como detentoras s seguintes produtoras/ distribuidoras/ instituições: La Cinémathèque Francaise, Films de la Pléiade, Gaumont, Imovision, Latinstock, Marithé + Francois Girbaud, Magnum, Peripheria, Scala e Tamasa. A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior.
Comprometemo-nos a repara tais incidentes.
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