Portal Brasileiro de Cinema / Godard APRESENTAÇÃO   ENSAIOS    FILMOGRAFIA COMENTADA    FILMOGRAFIA    FICHA TÉCNICA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO

APRESENTAÇÃO


ENSAIOS


FILMOGRAFIA COMENTADA


FILMOGRAFIA


SOBRE OS AUTORES


FICHA TÉCNICA


PROGRAMAÇÃO


COBERTURA DA IMPRENSA


CONTATO


Introdução

I


Até bem recentemente, a obra prolífica de Jean-Luc Godard costumava ser conhecida – no Brasil mas, não só – por partes e em desordem. Os espectadores que a admiravam ou se interessavam por ela, mesmo quando assíduos e disciplinados, dificilmente escapavam de uma experiência de recepção lacunar e inconstante. Ao longo dos anos, e ao arrepio da cronologia, iam vendo ou revendo alguns filmes aqui, outros ali, aproveitavam uma estréia, uma reprise extemporânea, um pequeno ciclo ou mesmo uma viagem, adquiriam por vezes cópias em vídeo ou DVD e iam assim compondo uma imagem possível de uma filmografia que vinha sendo, ela também, construída ao sabor das ocasiões, ainda que com regularidade e frequência. Dada esta circunstância da sua recepção, e dado o pendor da sua própria poética para a fragmentação, a descontinuidade e a colagem, é natural que os menos avisados tendessem a atribuir ao cinema de Godard um caráter um pouco dispersivo, senão errático.

Em que pese a mudança trazida pela consolidação nos últimos anos de uma verdadeira cinefilia do download (forte no Brasil como em toda parte) , a melhor ocasião para retificar tal impressão à luz do conjunto dos filmes continua vindo de retrospectivas amplas. A Retrospectiva Integral Jean-Luc Cinema Godard que a Heco Produções, o CCBB, o CineSesc e seus parceiros apresentam ao público brasileiro entre outubro e novembro de 2015 cobre até o último filme em data do cineasta, e se inscreve assim no grupo das maiores já organizadas no mundo em torno da sua obra, dentre as quais as memoráveis retrospectivas do Centre Georges Pompidou, em Paris, (abril/agosto de 2006) e do National Film Theatre, em Londres (junho/julho de 2001), esta última enriquecida por um Colóquio na Tate Modern. Embora conte com um número global menor de sessões e não alcance a mesma exaustividade lograda pela retrospectiva parisiense de 2006 , a retrospectiva brasileira cobre o arco mais extenso da filmografia do cineasta, trazendo a totalidade dos filmes realizados por ele em 60 anos de carreira, do primeiro curta de 1955 ao último de 2015, passando por mais de 100 filmes e vídeos de duração e propósitos os mais variados: 44 longas, 10 médias, 48 curtas, 3 séries de fôlego (duas de 12 episódios, uma de 8), 2 clipes musicais, 2 dúzias de filmes publicitários curtos e 1 exercício de remontagem de trechos de filmes alheios.

II


Vendo ou revendo o conjunto dos filmes, a coerência e a organicidade do projeto estético de Godard saltam aos olhos e se tornam evidentes. Seu trajeto revela o esforço mais tenaz, consequente e influente de todo o cinema moderno para redefinir as bases da representação cinematográfica do mundo, cujo horizonte ele nunca abandona. Um mundo em acelerada transformação, que sua obra a um só tempo testemunha e comenta. A pesquisa estética e a renovação incessante das formas no cinema de Godard procuraram sempre representar mais e melhor este mundo do que o fazia o leque de formas disponíveis do cinema que o precedeu. E procuraram representá-lo ao modo não de um espelho mimético, mas de um armazém ou um “museu do mundo”, cujos pedaços ele vai recolhendo de filme a filme, na fisionomia da cidade contemporânea, na imagerie produzida pela comunicação de massa, nos fenômenos históricos mais dramáticos do século, na vida ordinária cada vez mais submetida ao império da mercadoria, nas relações e nas situações de trabalho observadas com muita atenção.

Colecionar assim os pedaços do mundo supõe uma escolha estratégica dos aspectos a privilegiar de sua paisagem visível (e audível), mas também um aprimoramento constante dos meios expressivos capazes de apreendê-los e capturá-los a contento. Tal aprimoramento inclui um gesto constante de autorreflexão (tematização do aparato cinematográfico, mise-en-scène do trabalho do cineasta, exercício da autocrítica na fatura mesma dos filmes) e mobiliza por vezes a criação de uma persona do cineasta, cuja evolução em seus filmes parece constituir, por si só, uma via de acesso privilegiada ao seu modo de conceber sua própria função social. Para além dos personagens moralmente duvidosos que ele assume em pontas de seus primeiros filmes e das figuras do idiota melancólico que ele representa em filmes dos anos 1980, o cineasta aparece encarnando a consciência ou a memória do cinema em mesas de montagem, em estúdios cheios de telas, em sua biblioteca etc. E o pensamento do cinema aparece em vários filmes como uma conversa paritária entre vozes masculinas e femininas, ou como uma conversa desordenada, sem protocolos estáveis (Un film comme les autres, 1968), ou ainda como um monólogo melancólico, que dá o tom de boa parte de sua filmografia tardia.

O esforço de reinventar a representação do mundo conjuga uma dimensão destrutiva e uma dimensão construtiva. Ele instaura uma dialética sui generis entre a desconstrução da representação do mundo promovida pelo cinema narrativo clássico (com seu sistema de gêneros, suas convenções e seus horizontes de expectativa) e a construção de uma nova representação, em que a narração vai sendo progressivamente atravessada pelo pensamento. Sua desconstrução se dá pelo desrespeito às convenções dos gêneros cinematográficos, pela violência feita ao decoro, pela frustração do horizonte de expectativas previsto pelos gêneros que os filmes emprestam, misturam ou parasitam. O corolário desta destruição é a adoção de uma verdadeira estratégia deceptiva, que se adensa a partir das experiências do Grupo Dziga Vertov, e acompanha boa parte da filmografia subsequente de Godard, redundando em conflitos, quiproquós e recusas de filmes cuja encomenda ele subvertia sistematicamente – os casos mais recentes foram King Lear (1987), Le rapport Darty (1989) e The old place (1998). Sua reinvenção da representação do mundo integra o pensamento à narração. A lógica que rege o fluxo de imagens e sons dos seus filmes vai se aproximando mais da argumentação do que da narração, mais do ensaio e do pensamento do que do relato. Se o pensamento se insinuava em parênteses de filmes narrativos que suspendiam a ação para mostrar protagonistas femininas conversando com intelectuais a quem o cineasta delegava o exercício argumentativo nos anos 1960 , o pensamento enunciado pelo próprio cineasta invade a narração em diversos momentos de Deux ou trois choses que je sais d’elle (1966) para ganhar dali em diante o primado em vários dos seus filmes, numa tendência ensaística que culmina nos mais recentes JLG/JLG. Autoportrait de décembre (1994), Histoire(s) du Cinéma (1988/98), The Old Place, De l’origine du XXIe siècle (2000), Dans le noir du temps (2002) etc.

III


Godard nunca foi indiferente ao Brasil. Na juventude, visitou o Rio de Janeiro, cujas belezas evoca numa crítica de julho de 1959 a Orfeu negro de Camus (Cahiers du cinéma, nº 97, p.59-60), que as teria traído. Como boa parte de seus colegas franceses de geração, ele tomou contato com os filmes dos cinemanovistas em meados dos anos 1960 (num momento em que os brasileiros já conheciam os dele), e chegou a incluir Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963) em sua lista dos 10 melhores filmes estreados em Paris em 1965 (Cahiers du cinéma, nº 174, jan.1966, p.10). Segundo um depoimento de Glauber Rocha, Godard teria intuído a ideia de La chinoise (1967) ao ver O desafio (Paulo Cesar Saraceni, 1965) no Festival de Berlim de 1966. Vários de seus filmes, em todo caso, trazem referências ao Brasil, do Petit soldat (1960) a Bande à part (1964), do Gai Savoir (1968) a Pravda (1969) ou Vladimir et Rosa (1970), e assim por diante.

E os brasileiros se interessaram desde cedo pelos seus filmes, objeto de atenção e admiração por aqui desde os anos 1960. Recompor a recepção de Godard no Brasil de lá para cá exigiria uma pesquisa complexa, que ainda está para ser feita entre nós. Apurar com precisão a circulação dos seus filmes junto ao público cinéfilo, o debate crítico que eles suscitaram e o diálogo que alguns de nossos melhores cineastas travaram com eles são tarefas que ainda esperam um historiador e que ultrapassam o escopo deste livro. Sabemos que seus filmes impactaram os meios cinematográficos brasileiros desde os anos 1960, marcaram uma série de cineastas brasileiros e informaram alguns de seus trabalhos . Sabemos também que sua recepção mobilizou, nos jornais, nas revistas impressas e mais recentemente nas eletrônicas, críticos brasileiros de diferentes gerações como Moniz Vianna, José Lino Grünewald, Rogério Sganzerla, Jairo Ferreira, Glauber Rocha, Maurício Gomes Leite, Enéas de Souza, Alcino Leite Neto, Bernardo Carvalho, Inácio Araújo, Tiago Mata-Machado, entre outros. Em livro, depois de duas coletâneas pioneiras de artigos e entrevistas franceses de e sobre Godard organizadas por Haroldo Marinho Barbosa (Jean-Luc Godard, Rio, Record, 1968) e Luiz Rosemberg Filho (Godard, Jean-Luc, Rio, Taurus, 1985), os estudos godardianos no Brasil se diversificaram e comportam hoje uma dezena de volumes (incluída aí a tradução de Introdução a uma verdadeira História do Cinema, do próprio Godard, outras de Philippe Dubois e Michel Marie, além de um ciclo recente de trabalhos de Mário Alves Coutinho e outros), aos quais devemos acrescentar dissertações e teses universitárias mais específicas, que remontam aos anos 2000.

Em todo caso, se a presente Retrospectiva é a primeira integral já organizada no Brasil, o livro que o leitor tem em mãos é o primeiro esforço coletivo de enfrentamento crítico do conjunto dos filmes de Godard já empreendido entre nós. Ao concebê-lo, procuramos incrementar o debate pela ampliação dos seus participantes brasileiros e também dos filmes visados. Ainda não havia entre nós um livro que tentasse federar um esforço de reflexão de um grupo mais vasto e variado de estudiosos brasileiros, capaz de enfrentar a totalidade dos filmes de Godard. O presente volume tenta preencher essa dupla lacuna arregimentando um amplo elenco de colaboradores, o mais abrangente possível na procedência geográfica (reunimos aqui autores de mais de nove estados brasileiros, além de colegas franceses, italianos e ingleses), na faixa etária (dos vinte aos setenta anos) e no perfil intelectual (de pesquisadores universitários aos críticos de jornal, de internautas ativistas a curadores e cineastas), e dando assim continuidade à linha editorial dos projetos realizados pela Heco Produções nos últimos anos . Ele traz ainda alguns ensaios mais longos de eminentes estudiosos franceses e ingleses, além de dois brasileiros, sobre as relações travadas pelo cinema de Godard com outros cineastas (Rossellini, Glauber, Eisenstein, Buster Keaton, Visconti, Wajda), sobre questões de fundo de seu projeto estético (a pedagogia pela montagem, o esboço como princípio constitutivo), e sobre alguns filmes menos discutidos (Puissance de la parole, 1988), menos considerados (Reportage amateur, 2006) ou virtualmente ignorados até aqui – Sauve qui peut (la vie), de 1979. Esperamos que o resultado deste verdadeiro mutirão hermenêutico estabeleça, por um lado, uma base mínima de boa qualidade para o reexame de cada filme do cineasta e impulsione, por outro, discussões mais específicas que seu conjunto não cessa de suscitar.

IV


Uma palavra breve com um longo agradecimento a toda a equipe da Heco Produções que assumiu com extrema valentia esta grande “operação Godard” (da qual este livro é um desdobramento editorial direto), trabalhando dia e noite para transformá-la em realidade, em condições nem sempre ideais, e num contexto especialmente delicado de crise econômica, que repercute inevitavelmente em projetos culturais desta dimensão. Cada um a seu modo, Matheus Sundfeld, Karoline Ruiz, Guili Minkovicius, Anne Marquez, Carmen Vernucci, Leonardo Labadessa, Tess Aranyos, Pauline Gras, Diogo Faggiano, Alexandre Agabiti Fernandez e Lila Zanetti se desdobraram para que a Retrospectiva e o livro existissem. Agradecimento longo também aos nossos parceiros institucionais, o Centro Cultural Banco do Brasil e o SESC, além da Embaixada da França no Brasil, do Institut Français, da Cinemateca Francesa e do Centre Georges Pompidou, sem os quais este projeto não teria sido possível. Agradecimento especial a Michael Witt e Nicole Brenez pelas ajudas várias. Agradecimento especialíssimo, enfim, a Jean-Paul Battaggia e Jean-Luc Godard pela cumplicidade, pelas informações e pelo apoio inestimável.


Mateus Araújo e Eugênio Puppo



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


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É expressamente proibida a utilização comercial ou não das imagens aqui disponibilizadas sem a autorização dos detentores de direito de imagem, sob as penalidades da lei. Essas imagens são provenientes do livro-catálogo "Godard inteiro ou o mundo em pedaços" e tem como detentoras s seguintes produtoras/ distribuidoras/ instituições: La Cinémathèque Francaise, Films de la Pléiade, Gaumont, Imovision, Latinstock, Marithé + Francois Girbaud, Magnum, Peripheria, Scala e Tamasa. A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior.
Comprometemo-nos a repara tais incidentes.

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