França, 1967, cor, 35 mm, 95’
Um casal burguês faz uma viagem de fim de semana ao interior da França com o objetivo de reclamar uma herança familiar. No caminho, eles se deparam com um engarrafamento gigantesco, vagando em um cenário de violência crescente, que inclui acidentes de trânsito, estupro, assassinatos e canibalismo.
Week-end estreou na França em dezembro de 1967, menos de cinco meses antes dos acontecimentos que convulsionariam o país, em maio de 1968. Por uma série de razões estéticas e extrafílmicas, este longa não só marca o ápice da carreira de Godard como também encerra o primeiro capítulo da sua profícua trajetória cinematográfica, iniciada com a revolução de Acossado (1959).
Basta correr os olhos pela sua filmografia para verificar que a década de 1960 foi um período de intensa atividade para o diretor franco-suíço. Aos 37 anos, quando lançou Week-end, Godard já tinha catorze longas no currículo. Somente em 1967, havia estreado três na França (Made in USA, Duas ou três coisas que eu sei dela e A chinesa) e assinado episódios para três outros coletivos (O amor através dos séculos, Longe do Vietnã e Amor e raiva). Tamanha produtividade e exposição midiática o colocavam na posição de cineasta mais conhecido do mundo, incensado além-fronteiras por intelectuais do porte de Pauline Kael (que em um artigo publicado na New Yorker o comparou a James Joyce) e Susan Sontag. Um posto aparentemente desconfortável, com o qual logo iria romper, abandonando o cinema comercial e abdicando da autoria ao abraçar o anonimato das produções do grupo Dziga Vertov, a partir de 1968, com Un film comme les autres(1968). Esse sinal de esgotamento é explicitado em Week-end por Godard, que encerra o filme com um cartão que anuncia igualmente o fim do cinema.
A viagem de fim de semana do casal Corinne e Roland Durand serve de pretexto para o diretor construir uma obra de estrutura episódica, constantemente interrompida pelos cartões com letras em caixa alta que nos acostumamos a ver em seus outros filmes (“Um filme perdido no cosmos”, “A luta de classes”, “Fotografia falsa”) e frases de efeito (“A liberdade é violência. Como o crime!”, “Não sabemos de nada. Ignoramos nossa própria natureza”). O apreço de Godard pela desdramatização e pelo distanciamento brechtiano é reiterado tanto pela interpretação antinaturalista dos atores como pelos diálogos. “Isto não é um romance, é um filme”, diz Corinne. “Você está num filme ou na realidade?”, alguém pergunta. “Em um filme”, o interlocutor responde.
Como de hábito em Godard, Week-end está repleto de referências literárias, que vão de Bataille e Lautréamont a Lewis Carroll e Emily Brontë – a imolação da autora de O morro dos ventos uivantes é um dos momentos mais surpreendentes do filme. As citações de figuras e acontecimentos históricos também são abundantes: o revolucionário francês Saint-Just (participação não creditada de Jean-Pierre Léaud) surge pastoreando ovelhas no campo, Engels, Marx e Mao Tsé-Tung são constantemente evocados, assim como a Revolução Francesa, a Guerra da Argélia e a Revolução Cultural Chinesa.
Verborrágico e excessivo, Week-end bombardeia o espectador com imagens muitas vezes chocantes, misturadas a elementos eruditos e à cultura pop (numa cena assistimos a um concerto de Mozart, noutra Léaud canta uma canção de Dalida). Essa combinação suaviza o tom discursivo do filme, agregando à narrativa um humor muito peculiar, como se Godard debochasse de sua própria pretensão de oferecer uma interpretação totalizante da sociedade.
Outro aspecto que deve ser destacado é o virtuosismo técnico do filme. Week-end revela um Godard em pleno domínio de seus recursos como encenador, o que pode ser comprovado pelos longos e hipercoreografados planos-sequência, como o engarrafamento na estrada e o concerto de piano na fazenda, cuja complexidade de movimentos é captada com notável fluência pela câmera de Raoul Coutard.
Cínico, anárquico e irreverente como nunca, e também piscando um olho para o surrealismo, Godard flagra a França racionalista sucumbindo a um estado de barbárie pré-civilizatória. Enredada em um pesadelo de horrores após se juntar a um grupo de guerrilheiros canibais, Corinne devora no último plano o próprio marido. O mundo voltava ao fundo do poço. Hora de se reinventar e engendrar uma nova revolução.
Essa violenta sátira contra o consumismo burguês (a protagonista fica mais abalada ao perder sua bolsa Hermès do que ao ser violentada por um estranho à beira da estrada), livremente inspirada no conto A autopista do sul, de Julio Cortázar, publicado no ano anterior, tem ainda o mérito de documentar os grandes debates em voga na segunda metade dos anos 1960 (comunismo versus capitalismo, imperialismo versus revolução, alienação versus engajamento). Obra extremamente influente, Week-end abriria caminho para outras produções que usam a estrada como metáfora para refletir os impasses políticos da época, em diferentes países. Sem destino, de Dennis Hopper, O Anjo nasceu, de Júlio Bressane, Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr., e Bang bang, de Andrea Tonacci, são apenas alguns dos filmes que seguiram a trilha proposta por Godard em seu road movie apocalíptico.
Marcus Mello
Produção
Apoio
Correalização
Copatrocínio
Realização
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