Portal Brasileiro de Cinema / Godard APRESENTAÇÃO   ENSAIOS    FILMOGRAFIA COMENTADA    FILMOGRAFIA    FICHA TÉCNICA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO

APRESENTAÇÃO


ENSAIOS


FILMOGRAFIA COMENTADA

Anos 1950

Anos 1960

Anos 1970

Anos 1980

Anos 1990

Anos 2000

Anos 2010


FILMOGRAFIA


SOBRE OS AUTORES


FICHA TÉCNICA


PROGRAMAÇÃO


COBERTURA DA IMPRENSA


CONTATO


JLG/JLG. Autoportrait de décembre (JLG/JLG: autorretrato de dezembro)

França, 1994, cor, 35mm/vídeo, 62 min



Godard encena a própria solidão em sua casa, na Suíça, numa espécie de balanço de sua vida e obra. O cineasta revela fragmentos de seu mundo interior feito de sensações, afetos e reflexões, e termina escrevendo – sob a luz de um fósforo – desconcertantes palavras de amor.

JLG/JLG: autorretrato de dezembro. De dezembro, simples e pontual assim. Dezembro: o último mês do ano, mas também o que antecede o começo de um novo – e não se deve esquecer que no calendário cristão ele é o mês do nascimento. Menos ainda que, ao longo do filme, o calendário republicano, criado na Revolução Francesa, e já usado por Godard em outras situações para propor o começo de um novo tempo, substituirá o cristão na marcação dos capítulos.

“Autorretrato, não autobiografia”, o cineasta nos previne. Um autorretrato jamais é definitivo. Uma autobiografia sim. Ela fixa uma imagem, uma identidade, um autor, um “eu” que narra e um “mim” narrado. Godard vai mais longe: um signo gráfico separa as iniciais de seu nome, não uma preposição. Não se trata de JLG por, para ou de JLG. Não há nenhuma relação de autoridade entre um sujeito e um objeto a ele submetido, apenas uma sigla, uma legenda. É esse o desejo do filme: deixar de ser sujeito, individualidade, autor com A maiúsculo, impressão digital para virar universal: aquele que existe e sobrevive na obra, a partir da obra e como sua legenda.

“Se há um JLG por JLG, o que quer dizer ‘por JLG’?”, ele pergunta a certa altura. E então responde: “Trata-se de paisagens de infância vazias e paisagens mais recentes, filmadas. Há ‘país’ em paisagem, e duas noções de pátria podem se depreender disso: uma pátria dada e uma pátria conquistada.” E a essa referência, segue uma tela negra e então uma claquete: o cinema, a arte, como pátria criada, conquistada e habitada.

A paisagem e a ideia de pátria evocada por ela são centrais neste autorretrato. Particularmente a paisagem de Rolle, às margens do Lago Léman, que é a um só tempo a da infância e a do exílio. Mas não se trata da vista de Rolle tal qual ela é, cidade situada em um espaço-tempo preciso, e sim de um lugar suspenso, esvaziado do comércio com o mundo – as paisagens filmadas são vazias e desabitadas. Num dos momentos mais tocantes do filme, Godard vaga por uma península no Lago enquanto a banda sonora toca trechos de filmes de Ray, Rossellini e Barnet – é o cineasta habitado por filmes e habitando o mesmo espaço que eles. Ao declamar que a potência do espírito só existe quando se olha para o negativo de frente e apontar para a câmera, sua voz interpõe-se à de Eddie Constantine em Alemanha 90 (1991) a dizer: “ó pátria amada, onde está você?” As paisagens convertem-se, assim, em metáfora para uma segunda pátria, cujos conterrâneos, desencarnados, falam a língua franca da arte e à qual se ascende apenas pela criação do espírito.

Ao lado das paisagens de Rolle, o espaço doméstico da casa é o segundo mais importante do filme. Trata-se possivelmente de um dos filmes mais solitários do cineasta. Não somente porque o vemos só, mas porque ele parece, aqui, ter abandonado qualquer tipo de troca com o mundo dos vivos. O espectador razoavelmente familiarizado com a obra de Godard, já conhece, a essa altura, várias de suas personas e máscaras: o idiota, o desconstrutor de imagens e representações, o historiador profético; são personas assumidas em resposta e em diálogo com seu tempo histórico. Aqui, entretanto, trata-se de uma retirada, um recolhimento. Na verdade, JLG/JLG é um filme habitado quase exclusivamente por mortos: Aragon, Diderot, Ovídio, Rossellini, Ray, Vigo, Dostoiévski. Como já dissera Deleuze a propósito de outro filme de Godard, trata-se de uma “solidão povoada”. Povoada por palavras, imagens e sons de poetas, cineastas e músicos que também se encontram nesta terra estrangeira, lugar desconhecido e negativo da criação.

Mas há vivos em JLG/JLG, e entre eles Godard elege as mulheres. Mulheres de vários nomes, cegas ou Cassandras. A elas ele atribui o mais nobre posto do filme entre os vivos (os homens são brutos ou burocratas): fonte de saber do passado e do futuro. Elas enxergam o filme ainda não feito; apontam, em uma língua morta, para o renascimento na eternidade. A visão (ou sua ausência) é o ponto chave: cegas, elas não se deixam levar pelas aparências; visionárias, enxergam para além delas. Nos dois casos elas podem transitar entre tempos e realidades, vislumbrando e frequentando a outra pátria espiritual. Mas há uma em particular, cuja imagem não podemos jamais ver, nem em Rolle nem no espaço da casa, mesmo sabendo que ela é tão indissociável da vida e do cinema de Godard ali quanto seria o som da imagem em “Sonimage”, a produtora que criaram juntos no passado. E é seu nome que responde, do lado de lá do mundo, ao chamado do cineasta quando ele, só, em casa, lê: “Enquanto a orquestra toca seu repertório fora de moda, entre a multidão banal eu a avisto. E você, divina, em silêncio, com os olhos semicerrados”. E na trilha, uma voz interrompe: “Eu sou Anne-Marie”. Se em JLG/JLG a pátria utópica é acessada sonoramente, é lá que ele coloca sua companheira, lado a lado, não de mortos, mas de amigos, daqueles para quem ainda tem perguntas.

Patrícia Mourão



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


Sugestão de Hotel em São Paulo, VEJA AQUI. Agradecimentos ao Ibis Hotels.


É expressamente proibida a utilização comercial ou não das imagens aqui disponibilizadas sem a autorização dos detentores de direito de imagem, sob as penalidades da lei. Essas imagens são provenientes do livro-catálogo "Godard inteiro ou o mundo em pedaços" e tem como detentoras s seguintes produtoras/ distribuidoras/ instituições: La Cinémathèque Francaise, Films de la Pléiade, Gaumont, Imovision, Latinstock, Marithé + Francois Girbaud, Magnum, Peripheria, Scala e Tamasa. A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior.
Comprometemo-nos a repara tais incidentes.

© 2015 HECO PRODUÇÕES
Todos os direitos reservados.

pratza