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Pierrot le fou (O demônio das onze horas)

França, 1965, cor, 35 mm, 110’



Ferdinand é professor de espanhol e trabalha na televisão, mas perde o emprego. Casado com uma italiana, vai a uma festa e volta para casa sozinho. Leva a babá Marianne de volta para casa, gerando um clima de fuga, que se efetiva, e o casal se envolve com tráfico de armas e conspiração política.

Pierrot le fou trata da passagem do amor burguês (Ferdinand e seu casamento) para o amour fou, um amor marginal, que vai revelando as entranhas e os limites da sociedade contemporânea. E sempre sob o desafio de uma compreensão antropológica, histórica e ontológica do homem. Nunca esquecendo que Samuel Fuller está lá no fundo da cena dizendo: “Cinema é um campo de batalha. Amor, ódio, ação, violência, morte. Numa palavra: emoções”. O filme de Godard traz igualmente essa ambição, só que noutra pauta, noutro curso. O pensar cinematográfico do diretor – cinema é pensar! – recusa o cinema espetáculo, em que uma história é contada como um drama marcado por peripécias. Uma cena leva logicamente à outra, num encadeamento cinematográfico que estabelece ação e reação, causa e efeito.

O novo ponto – e isto já está em Acossado (1959) – ganha mais evidência em Pierrot le fou. Fica-se agora com a necessidade de desmanchar a intriga, de isolar e dar autonomia a cada cena. O filme é um conjunto fragmentado de ilhas dramáticas. Nesse sentido, as cenas de automóvel, as cenas na casa dos traficantes e até mesmo a cena final – a do suicídio de Pierrot (Jean-Paul Belmondo) com as mantas de dinamite envolvendo o rosto – se configuram como uma direção que leva o drama a escorregar da ação para a plasticidade e mesmo para a pictorialidade da imagem. Há a busca de uma imagem pura, sem vínculos com a história encadeada, uma imagem que não seja representação. De fato, um tratamento cuidadoso do ver e do ouvir, mais como ver e ouvir do que como desenvolvimento e desenlace da intriga. Com Godard, o cinema vai lentamente passando de uma proposta de cinema de mise-en-scène para um cinema cuja magia está na armação da imagem. E com História(s) do cinema (1988-1998), quando ele chega ao vídeo, a imagem se funde com o próprio ver, já que o ver é o que dá consistência à incrustação, às janelas, à junção de outras imagens na nova imagem.

Nessa trajetória, Pierrot le fou vai fechando a porta para o realismo da imagem, que se ampara numa analogia da realidade, como o neorrealismo italiano e o realismo norte-americano. Com Godard, a realidade da imagem vai se afastando da imagem da realidade. Ou seja, o cinema se transfere para o campo do artifício e a imagem se torna um engenho próprio do cineasta. Em Pierrot, ela ainda se debruça na amurada da intensidade dramática dos personagens. Quando Belmondo pinta o rosto de azul, sai para o aberto e se explode com dinamite, essa lógica se baseia justamente na lógica interna de sua figura. Todavia, já surge um realce de algo que vai se desvencilhar do drama. Será no futuro a construção cinematográfica de um visível e de um audível desligada de qualquer plot, surfando no escorrer das imagens. O cinema atingirá um pleno dar a ver. E olhá-lo criticamente se inscreverá nas tarefas do espectador. Como diria o filósofo brasileiro Gerd Bornheim: ver ou não ver, esta é a questão. Pierrot está no meio do caminho dessa viagem.

Um cineasta pensa o dar a ver, o que ele mostra, por meio da montagem, porque a montagem, para mim, é esse pensar que vai desde a colocação da câmera até o filme terminado. Aqui, o pensamento de Godard atravessa algumas questões que eu gostaria de salientar. Em primeiro lugar, é preciso praticamente decidir: onde se coloca a câmera? Porque, quando e onde principia e se encerra um plano? Onde começa a imagem? Em segundo lugar, como desobrigar-se de estar colado à história? Uma das soluções será, sem dúvida, a exacerbação, o afastamento ou a pulverização do pathos dramático, que se faz com abundância de registros cinematográficos (filme policial, filme musical, filme de aventuras, filme de amor), com vastas referências literárias, picturais, de histórias em quadrinhos e de cartazes publicitários, com diversas citações de partes de filmes, de letrismos e de grafismos. Esse conjunto confere um brilho de artificialidade e passa uma energia sofisticada para além da intriga. E, em terceiro lugar, cabe falar da montagem na operação de dois intervalos, um no interior do plano – no espaço entre os personagens, os objetos e o cenário – e outro justamente no espaço entre os planos. A montagem em Pierrot le fou faz com que nesses corredores se anunciem vazios e se concretize, pela insistência, a impossibilidade do amour fou. Dito de outra forma: a invisível força da paixão do nada se instala entre Pierrot e Marianne (Anna Karina), provoca a morte dela e incrementa a explosão da figura azul dele. A cena final só se resolve com o deslocamento do plano para a paisagem cósmica de uma tranquila ausência humana. O vazio acabou se inserindo esplendidamente no ver e no ouvir da obra. Trouxe, na materialização da forma, a mostra do niilismo em toda a sua potência de destruição. Triunfo do nada na chama da morte. Por esse fim de Marianne e Pierrot, certamente, neste filme, uma das influências de Godard tem o nome de Samuel Fuller.

Enéas de Souza



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

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