Portal Brasileiro de Cinema  Antes do cinema - Família, infância e juventude.

Antes do cinema - Família, infância e juventude.

Entrevista e redação: Arthur Autran, Hernani Heffner e Ruy Gardnier.
Veja o Glossário

 
Ozualdo e a filha Simone Ribeiro Candeias

 
Landica, (Alice Souza Ribeiro, mãe), Nenê (irmão), Tonico (pai) e Ozualdo.

Meu pai, Antônio Ribeiro Candeias, era imigrante português, meio mourisco e meio cigano, ele veio com nove anos para o Brasil. Na família, ele era por idade o quarto irmão, já sabia ler. O pai dele veio como imigrante e foi trabalhar na roça, juntou a família toda para trabalhar, teve fazenda e um monte de coisas. Isso mais ou menos no noroeste do estado de São Paulo, para o lado de Ribeirão Preto, mas eles foram primeiro para o sul de Minas. Meu avô trabalhou muito e quando os filhos ficaram grandes eles já tinham uma fazendinha.

Quando eu nasci, meu pai ainda estava na casa dos pais. Meu pai saiu e foi abrir uns negócios também, e foi tentando, outro, outro, outro. Ele era motorista de praça quando não tinha muito que fazer. Chegou a ter dois, três carros e depois também não deu. Nas últimas vezes, eu ajudei ele a organizar um negócio para vender uns troços. No finzinho de tudo ele abriu uma pensão muito grande para nordestinos, para comer e dormir, isso aqui em São Paulo. Foi aí que ele foi atravessar a rua e um carro passou em cima dele. Ele sabia ler e escrever, mais ou menos, e tinha muitas habilidades. Muito carismático, onde ele estava impressionava, um cara relativamente boa-pinta. Enquanto meu pai tinha um quê de nada objetivo, minha mãe era seriamente objetiva. Por exemplo, uma vez eu ganhei um prêmio de melhor diretor, falei para o meu pai que tinha ganhado esse prêmio e ele contava para os outros, aí eu falei para minha mãe e ela perguntou “quanto é que te deram?”, eu respondi “nada”, ela “prêmio sem dinheiro, que diabo de prêmio é esse?”.

Fui registrado em 1922 em Cajubi, perto de São José do Rio Preto (SP), mas morava em Olímpia. Não sei bem onde nasci, não sei se foi lá perto de Campo Grande, a caminho de Cuiabá, ou se foi lá para os lados de Cajubi mesmo, não sei bem como é que foi isso. Fui morar em Olímpia e não sei por que não fui registrado lá. Depois moramos em São Paulo e eu estudei no grupo escolar da Penha, de lá fui para o grupo escolar no Brás – onde a gente já estava bem melhor de vida – e daí fomos para a Vila Mariana. Depois fui para o Ipiranga, onde tornei a entrar em um grupo escolar, e daí parece que para Marília, onde fui pela primeira vez ao cinema. Em Marília, naquele momento, eu tinha uma porção de parentes. Daí a gente saiu meio fugido, meio com pressa e foi pro Mato Grosso. Viemos para São Paulo, voltamos novamente para o Mato Grosso.

Em São Paulo, tive época de ir pra escola com chofer particular e uniformizado, e outra época que não ia para a escola porque não tinha nem roupa. Moramos em casa muito bonita e moramos em cortiço. Na época ainda não existia favela, a que existia era aquela romântica, que dava até vontade de ir pra lá, onde se fazia samba, tinha malandro, mulher que dançava, não era esta favela de hoje. Garoto, andei trabalhando numas fábricas de cama, fábrica de armário, fábrica de bolsa, metalúrgica etc., e fui bater na praça do Correio pra vender sorvete. Um dia meu pai tinha comprado um carro, a coisa tinha mais ou menos melhorado, ele pôs o carro na praça. Ele conhecia um cara que era de uma firma meio grande e lá fui eu de office boy, fiquei por lá um tempo e não ganhei merda nenhuma, agüentei até uns tempos e na primeira chance puxei o carro. Tentei terminar o ginásio, não consegui, por falta dessas coisas todas. Quando eu ia virar perito contador também, um curso meio técnico, acabei não terminando porque encheu o saco. Eu achei que não iria ser perito contador porra nenhuma, mas aí eu precisei do ginásio e eu entrei de novo para fazer o ginásio e vai daí afora.

Servi o Exército como recruta lá no Mato Grosso. Depois é que eu saí de lá e fui embora para o Rio. Não tinha nada que fazer, não arrumava emprego, meu pai já me pegando no pé, eu fui para o Rio com a cara e a coragem, cheguei lá com 5 mil réis, não tinha nem o que comer. Tinha umas negas vagabundas que andavam lá, diziam “olha lá o loirinho”, e eu virei chupim delas. Eu ficava por ali, uma ia para lá e a outra trazia um sanduba, mas tinha que trepar porque senão não tinha sanduba. Na época da Guerra eu entrei em um voluntariado da Aeronáutica que estava sendo feito, fiz curso de infantaria e fui para Recife, lá fiz outro curso para técnico em administração, outro para mecânica, para metralhadora, fiz esses troços e fiquei por lá. Saí da Aeronáutica quando estava terminando a guerra, eu não saí, pediram para eu sair. Para o meu contrato continuar tinha que ter comportamento bom e eu estava no mau, sabe? Eu era um cara muito competente em tudo que fazia, o que eu fazia era muito respeitado pelos oficiais, se precisasse de qualquer informação de ordem burocrática, ou seja, de regulamento, eles sempre falavam comigo. Mas também eu ficava preso por uma porção de coisas: faltava na educação física, chegava tarde, brigava... Dei baixa em Recife.

Fiquei uns tempos pelo Rio e voltei para São Paulo já quase em 1950. Casei pela primeira vez na época em que entrei pra prefeitura, no início dos anos 50. Aí comprei o caminhão e comecei a fazer, paralelamente ao trabalho na prefeitura, entregas. Na prefeitura eu trabalhava fora verificando certo tipo de obras municipais, o que era preciso ser feito e o que não precisava. Agora tinha outros colegas e é aí que estava a minha facilidade, eu dava uma grana para eles e eles me faziam o ponto na obra. Eu sempre fui meio honesto nessas coisas. Com o caminhão eu ia aqui perto do Rio de Janeiro, no vale do Paraíba, distribuindo oxigênio, eu sempre ia sozinho e isso pesa setenta, oitenta quilos. Sempre fui metido a fortinho, como dizia um cara. Depois também fiz viagens daqui para o lado de Mato Grosso até o Paraná, levando material de construção pra obras etc. Cheguei a levar verdura para uma cidade daqui de cima da serra, no caminho da Raposo Tavares, aqui no interior. Quando casei pela primeira vez, eu achava que já dava e quebrei a cara. Tive um filho, depois outro e não deu para encarar mais. São quatro filhos no total. Eu disse para a mulher: “Olha a gente tem que ficar bem. Se não é para ficar bem vamos acabar de vez com isso e está acabado”. E para encerrar esse assunto eu casei mais umas três ou quatro vezes. Mais tarde foi tudo um “enrosco”, como dizem as parideiras. Agora chamam namorado, já não é mais amante, eu acho até mais fácil. É mais bonitinho, “é a minha namorada”. Estou amancebado, estou enrabichado (esse até gosto), eu já pus isso num filme, “enrabichado”.