A margem

 
Nenê, Cidinha (irmã) e Ozualdo.

A margem foi o seguinte: eu inventei a porra da história a partir de umas coisas que eu tinha lido num jornal – que eu também leio jornais –, daí eu cato essas coisas e enfio na história. Eu vi a notícia de uma mulher que estava esperando o noivo pra casar, ele não apareceu, ela nunca mais tirou o vestido e saiu por aí afora. O resto eu inventei, mesmo. O que me motivou foi essa mulher do véu, que ela não tirou mais. O resto do filme é que eu andava lá pela beirada do Tietê, morei ali pelo Canindé, morei lá pela Vila Maria, Vila Guilherme. O que é importante é como eu invento as besteiras, a gente tropeça com elas por aí, né?

Eu já tinha feito umas três ou quatro preparações de filme, só pro Mojica tinha feito duas, e já tinha idéia de fazer A margem. Com os atores eu conheci lá uma cara, e ela, pra trabalhar na fita, me levou na escolinha, nas pessoas da agência dela ou na cinematográfica sei lá o quê. A condição pra trabalhar era que eu não ia pagar nada mesmo, que aquilo seria uma cooperativa.

Eu fiz documentários e cinejornais para o Michel Saddi. Um dia ele chegou para mim e disse: “Olha, eu vou entrar nessa fita com você”, porque o negócio dele era aparecer, isso até dar o problema. O problema foi que o Saddi pediu para o cara que fez o cartaz pôr que o filme era dele, mas ele não fez filme porra nenhuma, a fita é minha. Ele mandou um cara para me matar, porque ele botou NCR$23.000 na fita e a câmera era dele, natural-mente, escritório etc.

Quando eu montei A margem, o Máximo Barro montou comigo e eu aprendi muito, até perguntei: “Você quer assinar?”. Ele disse que a fita era uma merda. Ele não queria. Eu já tinha feito 16mm com ele, já tinha montado Polícia feminina também com ele, e eu levava ele sempre para montar, mas não era bem ele que montava, era eu.

O primeiro cara a chegar lá na Boca do Lixo fazendo fita, parece que fui eu, porque eu estava terminando A margem e precisava arrumar dinheiro para terminar o filme e para o lançamento, e mais ou menos não tinha. Então fui na Boca porque lá tinha umas distribuidoras, para ver se arrumava algum dinheiro. Encontrei o Renato Grecchi, que é o cara que ficou sócio numas fitas, e eu disse que estava na espera. Ele se entusiasmou com o negócio e me arrumou lançamento e um troco para terminar a fita, isso era 67, fim de 67. Aí eu terminei a fita, já na Boca, e o Renato é que distribuiu, porque ele conhecia o pessoal da Sul. A fita se pagou e sobrou um pouco.

Só não sobrou mesmo porque eu devia todo esse troço para o Michel Saddi, mas deu, a fita se pagou sim. Aí começou a aparecer notícia no jornal sobre a Boca um pouco por causa da Margem, saía notícia da Boca porque terminei o filme lá e lá que ele foi lançado. Fiquei por lá e mais outros caras também. Quem queria saber da Margem ia até lá, vinha sempre um montinho de gente. O pessoal do Honório sumiu de lá e ele ficou muito ressentido com isso. No começo, durante o dia, esse pessoal ficava no Honório até dar sete, oito horas (que era a hora que o Honório fechava), o pessoal saía dali e ia para o restaurante Costa do Sol, ficava todo mundo ajuntado por ali. O pessoal continuou um tempo no Costa do Sol e pouco depois mudou todo mundo para a Boca mesmo. Com toda essa notícia, os primeiros caras a aparecer meio de fora para fazer fita foram o trio de As libertinas.

Quanto ao espectador de A margem, é aquele espectador que está meio envolvido com a nossa cultura, com coisa política, e vê isso no cinema. Por isso que A margem acabou virando uma fita de geração, era exatamente uma geração que tomava consciência, uma consciência política, sendo estudantes ou não.