Portal Brasileiro de Cinema  Maurice Capovilla

Maurice Capovilla

 

Se houvesse verdadeiramente um movimento cinematográfico que era chamado Cinema Marginal, Ozualdo Candeias seria seu fundador. Com A margem, Candeias, como um verdadeiro autor, inaugura um cinema que não se identifica com a herança da Vera Cruz, na vertente dos filmes de Walter Hugo Khouri; não dialoga com Roberto Santos, que já preconizara o nascimento de um Cinema Novo; pouco tem a ver com Person, que propunha um cinema industrial de uma cidade cosmopolita; e muito menos se liga ao projeto dos exibidores que utilizaram a Boca do Lixo como centro de produção de um cinema pragmático, realizado em série para preencher lacunas de programação das distribuidoras americanas, e que se convencionou chamar de pornochanchada.

A Boca, com raríssimas exceções, a partir dos anos 70 e grande parte dos 80, foi uma grande fábrica de escravizar talentos para produzir lixo. Diretores, fotógrafos, produtores, técnicos de som, montadores, cenógrafos, figurinistas, atores, atrizes e uma extensa gama de funções paralelas se formaram e se desenvolveram para colocar nas telas, em determinados momentos, mais de cem filmes por ano. Filmes que não mereceram ficar para a história.

Apesar de contemporâneo, não tive a proximidade necessária com Candeias para afirmar que ele não pertencia à Boca. Mas arrisco dizer que ele era um marginal dentro dessa estrutura, e que seus filmes foram feitos à revelia e contra tudo de pior que a Boca representava, quer dizer, os interesses escusos e comerciais envolvidos.

Para ser exato, ouso dizer que Candeias não se encaixa nos parâmetros conhecidos, não pertence a grupos, movimentos, estilos e estéticas de teses universitárias, enfim, não se enquadra em nenhum modelo conhecido, e portanto não faz parte do movimento que se denominou Cinema Marginal. Melhor seria definir Candeias como um livre atirador, um ser independente, um lobo solitário, vítima da sua condição de mero coadjuvante de uma indústria de falsificação de realidades, mas sempre íntegro e puro na ânsia de se manifestar, manietado em sua potencialidade de se expressar, mas rompendo sempre com as regras de um jogo que não era o seu. Candeias está à margem de qualquer cinema que se diga marginal.