Portal Brasileiro de Cinema  BOCADOLIXOCINEMA ou FESTA NA BOCA

BOCADOLIXOCINEMA ou FESTA NA BOCA

Não-ficção, 1976, 35 mm, P&B, 12 min

Documentário sobre a festa de final de ano de 1976 na rua do Triunfo, organizada pelo meio cinematográfico.

 

A face documentarista de Ozualdo Candeias, embora significativa na sua formação como cineasta e refletida de forma clara em filmes ficcionais como Aopção, ainda não foi analisada na devida conta. Festa na Boca, fita sobre a comemoração do final do ano de 1976 na rua do Triunfo, organizada por pessoas ligadas ao meio cinematográfico, apresenta ótima oportunidade para discutir esse lado menos conhecido da obra do diretor.

Em primeiro lugar, note-se que nos créditos o filme apresenta-se como “reportagem”, gênero com o qual Candeias trabalhou muito no início da carreira ainda nos anos 50 e que desapareceu das telas devido à concorrência do telejornalismo. Outrossim, Candeias desde o final dos anos 60 não apenas fotografava aquela região e o pessoal de cinema que por ali aportava, como já tinha feito dois curtas-metragens a partir desse material, ambos intitulados Uma rua chamada Triumpho.

Ora, a intimidade do realizador com a turma mostrada no filme retira de imediato da “reportagem” qualquer possível neutralidade. Ao invés de tentar disfarçar tal envolvimento, temos a representação exacerbada dessa intimidade pela forma como a locução refere-se a várias figuras presentes na fita, pelo comportamento bastante livre dos movimentos de câmera e pela ironia destilada das músicas. Momentos que poderiam descambar para o oficialesco, como a entrega de prêmios, acabam sendo especiais ao mostrar não apenas astros daquele período (Toni Vieira e Claudette Joubert), como ainda um assistente de câmera ou um chefe-eletricista felizes com o reconhecimento profissional expresso na singela medalha.

Sob o aspecto da intimidade e da leveza ao retratar o meio cinematográfico, Festa na Boca remete a outro filme, que apresenta um segmento totalmente diferente: trata-se de Cinema Novo, média-metragem de Joaquim Pedro de Andrade realizado para a televisão alemã em 1965. Uma última observação. Não é de menor importância o registro feito pelo filme de formas de sociabilidade que nos parecem tão distantes hoje: críticos de sólida formação intelectual, como Jean-Claude Bernardet ou Leon Cakoff, aparecem curtindo o mesmo ambiente de Cláudio Cunha e David Cardoso e das atrizes e técnicos das pornochanchadas. Só isso já indica a riqueza cultural e social do espaço da produção localizada na Boca do final dos anos 60 e de boa parte dos 70.

Arthur Autran

Direção, fotografia e montagem: Ozualdo R. Candeias.

Produção: Sady Scalante.