Portal Brasileiro de Cinema  Cinema brasileiro: uma história não erudita

Cinema brasileiro: uma história não erudita

Ozualdo Candeias

90 do século passado – aconteceu o primeiro giro da manivela, da máquina de filmar, claro né? no Brasil foi na baía da guanabara, conforme a história. O cara que girou a manivela tinha o nome de paschoal segrette e se encontrava a bordo de um paquete francês.

00 já do presente século – tida como a bela época, o cinema brasileiro constava de longas/curtas-metragens do cotidiano, distribuídos e transportados debaixo do braço dos seus produtores / autores. Onde mais se produzia era na guanabara e são paulo (informação cedida pelo valtinho no ponto 4). A duração / projeção começou com alguns minutos, foi para quase uma dúzia de horas e hoje anda pelos 100 minutos.

10 deve ter havido pequena evolução no século acima, mas nada de importante pois poucos dão notícia das atividades cinematográficas desta década. 0 paulo emílio, adhemar gonzaga, alex viany devem ter coisas, em coisas históricas do nosso cinema eles sabem das mesmas. Para quem gostar de história de cinema está aí a indicação.

20 humberto mauro, medina, gonzaga, ciclos de campinas, cataguazes, de recife, de porto alegre... sonoro vitafone... lulu de barros...

30 – sonoro fotográfico, technicolor (?) – janets e marthas, nelsons e schipas, mojicas e gardéis motivam os primeiros musicais brasileiros, que mais tarde evoluíram para a chanchada (?) Nesta década, talvez tenha se completado o processo de autocolonização do nosso cinema por razões que não importam, o que poderia importar seriam as tentativas para a descolonização. O colonialismo vem sendo formado, temático e até problemático. Muita gente bem-intenciona-da não percebe devido ao subdesenvolvimento do complexo autor/diretor/produtor. Vai ver que até isso vem a ser um bem... de qualquer maneira há algumas fitas brasileiras descolonizadas, do passado e do presente. Nesta década apareceu um tal de jaime pinheiro, que junto com outros peças conseguiram do getúlio a famigerada lei 8 ou 10x1, como instrumento de reserva de mercado. Constou dessa mesma lei a obrigatoriedade do complemento nacional-ancestral do cinema publicitário. Não se sabe se essa lei foi um bem ou um mal.

40 glória da chanchada – talvez devido à rede exibidora/produtora/distribuidora do severiano ribeiro – oscarito, grande otelo, ankito, anselmo duarte, liana, mazzaropi e sei lá mais quem. ... nesta década a chanchada evoluiu (?) enveredando pelo policial/espionagem ou pelo musi-cal/suspense. ... é... ... as transas da guerra e os bons de los angeles... vera-cruz/multi-filmes/maristela/kino filmes.... são paulo chega a empolgar a opinião pública – agora o cinema vai – mas não foi – pois não havia uma reserva de mercado... a multifilmes realizou a primeira fita em cores no Brasil (processada nos EUA) na década de 30 “bonequinha de seda” já apresentava momentos em cores.

50 continuam as veras cruzes – chegam ao Brasil os processos para a edição em sons magnéticos... surgem o cinemascope e as fitas de sons estereofônicos... nasce e morre o vistavision, deixando como saldo positivo a tela panorâmica... acho que surgiu o cinerama e outros macetes que não tiveram importância... críticos e técnicos de cinema (SP) conseguem a primeira lei municipal de ajuda ao cinema – prêmios adicionais e proporcionais à renda do filme realizado no município, prêmios para os técnicos, atores e também ao documentário... o mesmo grupo conseguiu também uma lei estadual nos mesmos moldes ou quase idênticos... o grupo era formado (que me lembro) por flavio tambellini, plínio sanches, jacques dezenlai, agustinho pereira dos santos, cavalheiro lima e muitos outros... agonia da chanchada...

60 – relatórios para comissões do senado... cinema novo... jânio/jango... revoluções... geicine... instituto nacional do cinema... 54x365 (dias, com a promessa de aumento de dias de obrigatoriedade na razão direta do aumento de produção)... prêmios adicionais/proporcionais à renda... premiações pessoais... co-produções... documentários categorias especiais... castelo branco – geicine/INC... obrigatoriedade 54x365, substituindo os 8x1 (para cada oito filmes estrangeiros um nacional). aparecimento da “boca do lixo” no cinema brasileiro, secção são paulo. o cinema-distribuição, talvez pela proximidade das ferrovias, se instalou na rua do triumpho lá pelo ano de mil novecentos e trinta e não sei. com a instalação do INC e suas conseqüências oníricas a produção de filmes aumentou rapidamente. na época a maioria dos produtores de filmes e filmecos era do grupo chamado independente e eram uns duros, uns idealistas, idealistas/picaretas etc. sendo independentes, tiveram que procurar distribuidores na rua do triumpho e lá se encontravam. hoje a coisa mudou, aqueles idealistas desapareceram. morreram simplesmente... ou se engajaram no esquema produzir filmes em co-produção dis-tribuidor/exibidor. a “boca do lixo” como boca do submundo deve ser tão velha quanto a prostituição nesta cidade de nóbrega a anchieta.

costa e silva – obrigatoriedade sendo manipulada – deve aumentar na medida do aumento de produção. documentário recebe: categoria especial. glória da “boca do lixo”. até os últimos dias desse governo esses caras poderiam ser vistos na “boca” bem como outros tidos como sérios ou fazedores de cinema “sério”: Roberto Santos e Rubem Biáfora xxxxxxxxxxx L. S. Person, Carlos Reichenbach, Antonio Lima e Rogério Sganzerla.

Garrastazumédici – 114x365 – retornando para 84 (porque a produção aumentou) e quase para 54... é... filmecos de 150 a 200 mil, colonizados principalmente, faturam mais que “chefões”... na minha opinião os filmes colonizados atendem ao consumo... o que há de se fazer, já dizia o sambista: quem vem ao baile, baila... mas, o pessoal da censura, não gostou do sucesso destes filmecos e andou deslocando alguns de cartaz e encanando outros... esta atitude da censura “no preservamento de uma certa moral” (?) e o rebaixamento da obrigatoriedade provocou a queda de produção de filmes nacionais, de 100 filmes (anuais nos anos gordos) para 40 e as prateleiras se encheram e quem faturou foi o cinema estrangeiro... tem gente que pensa que tem havido pressões políticas/econômicas ou econômicas/culturais ou ainda sei lá que tipo de pressões, que já foram chamadas de poderes “ocultos” ou forças “ocultas”, besteira... hoje “elas” já não são ocultas e não estão ocultas... até torcedor de futebol sabe onde “elas” se encontram... só que isso de saber de nada adianta...

70 .... acho que vou voltar as décadas e esta década ao que tudo indica vai findar por isto ou aquilo mesmo, salvo alguma balançada de coreto em relação ao cinema brasileiro/produção. talvez daqui para oitenta aconteça o que alguns vêm preconizando e mesmo faturando... o 16mm vai desaparecer, assim como desapareceu o 9mm. a TV continuará a afastar o público do cinema, logo o cinema do futuro tem de ser, por razões econômicas, o super-8mm, e quem estiver por dentro do dito super-8mm vai ser o bom de cinema e tem mais, todos aqueles que hoje fazem cinema brasileiro são ruins de cinema, os bons são aqueles que ainda nada fizeram... por injustiças oficiais ou não oficiais. naturalmente o pessoal do 35mm também vai desaparecer, os gurus do super-8mm vão comandar tudo. a procura do cinema comercial/profissional de uma melhor imagem que resultou no scope, cinerama e sons (estereofônicos) não deu e só sobrou a tela panorâmica... mas cinema é cinema em 9, 8, super-8, 16, 35 ou 70mm, porque não é uma coisa sujeita à bitola decimal e muito menos aos processos conhecidos de gravação – fotográfico e magnético... a TV, por exemplo, é uma emanação do cinema no tocante à linguagem... mas deixa pra lá...

80 – pode acontecer de não ter ainda por estes lados chegado, mas independente de bitolas o cinema já é magnético – amador ou profissional – curta, curtíssimo ou longa-metragem...

Revista Cinegrafia, São Carlos, nº1, julho. 1974. p. 36-44.