Portal Brasileiro de Cinema  A Boca do lixo

A Boca do lixo

Bentinho

Na verdade, não era “boca do lixo” e sim pólo cinematográfico. Mas como aceitar que o cinema paulista, instalado numa zona de prostituição, estava fazendo história e ganhando a Palma de Ouro? Era preciso denegrir aquela imagem e os intelectualóides da época se encarregavam disso. Cineastas frustrados – que não conseguiam convencer os produtores com seus argumentos e roteiros, tidos como arte, e que tinham acesso à imprensa escrita – rotularam-no como Cinema da Boca do Lixo.

 
Candeias, equipe e atores durante as filmagens de Meu nome é Tonho, junto do jipe usado em diversas produções.

Mas, quando as companhias conseguiam verba no Rio de Janeiro, através de leis que protegiam o cinema nacional, eram obrigadas a depositar no Banco do Brasil parte de seus lucros, e eles realizavam seus filmes com toda a estrutura da Boca do Lixo. Aí rotulavam como “cinema de arte” e divulgavam desde a primeira tomada até a finalização. Entretanto, como não havia interesse por parte dos exibidores, os filmes ficavam mofando nas prateleiras das distribuidoras, até encontrarem um festival ou uma exibição especial.

O Cinema Marginal tinha o Mojica, o Candeias e o Sganzerla. O cinema comercial tinha o Toni Vieira, Jean Garret, Ody Fraga e muitos outros. O cinema de elite tinha o Coimbra e o Walter Hugo Khouri, que conseguiam, através do Massaini, verba da Embrafilme.

O cinema da rua do Triunfo se resumia a um quarteirão de uns 250 metros, com quatro bares: dois freqüentados pelos profissionais de cinema, e dois por bandidos que davam proteção a eles, caso algum meliante desavisado tentasse qualquer golpe contra quem eles conheciam. O respeito era mútuo e as prostitutas amigas.

 
Em cima Oswaldo de Oliveira, o Carcaça e Toni Vieira. Em baixo Jean Garret, Antônio B. Thomé e Ody Fraga. Estes Caras na sua passagem pelo Cineboca deixaram um rastro de quase (ou mais de) cem longas.

Os técnicos que freqüentavam a oficina do Honório, na rua Bento Freitas, para alugar equipamentos, se reuniam durante o dia em frente à oficina, e à noite passavam pelo restaurante da rua 7 de Abril, em frente aos Diários Associados, para tomar umas e outras.

Os produtores, pouco a pouco, foram se transferindo para perto das distribuidoras, estrategicamente instaladas próximas das estações ferroviárias e rodoviárias. Dessa forma era feita a remessa e o recebimento dos filmes. Logo depois, juntaram-se a eles os técnicos e diretores, formando ali um verdadeiro gueto.

Um dia, na rua do Triunfo, um filme caiu como se fosse uma bomba: O império dos sentidos. Pronto! Estava inaugurado o cinema pornográfico, cujos produtores compravam os juízes para que os filmes fossem liberados. A partir daí, ficou difícil saber quem era quem, pois os diretores e produtores criavam pseudônimos para não serem identificados.

E, assim, o Cinema da Boca do Lixo conseguiu seus anos de glória. Quem não passou por essa faculdade foi reprovado e continua fazendo o cinema teórico.