Portal Brasileiro de Cinema  O cinema segundo Candeias

O cinema segundo Candeias

 
Reserva de Sangradouro - MT, filmagens de Caçada sangrenta.

A maior parte dos roteiros que estão por aí misturam tudo pra dar andamento na fita, acho isso uma bobagem. O grande roteiro que eu gostei mesmo foi de O Sol por testemunha, o melhor que eu já vi, é muito bem feito, né? Tem alguns outros roteiros bem feitos, mas raros, mesmo de americanos ou não. Um cara muito bom é John Ford, as fitas dele são muito boas. E deve ter outros também, estou dizendo, mas a maioria lá numa hora parece que não sabe o que fazer, de repente você faz uma porção de coisas que você não sabe bem o que era.

Eu tenho uma preocupação com tudo que é nossa cultura no cinema. Leio o que é possível. Por exemplo, vou falar um negócio chato: eu acho que o Humberto Mauro fazia imitação de fita americana, com exceção de O canto da saudade – que essa me parece a melhor fita que ele fez, fita abrasileirada mesmo. Por isso não tenho muito respeito por ele e nem consideração. Francamente, a contribuição dele me parece pequena, por causa exatamente desse tipo de imitação.

Essa história de grandes estúdios é besteira. No Rio até a própria Atlândida era assim, como o cinema americano, o cinema de estúdio. Eu achava que não precisava de estúdio, o sujeito pega um dinheirinho, contrata uma equipe e toca o pau.

O Cinema Novo, eu gostava e gosto. Eu acho que pelo menos foi um cinema que provocou uma reação, que tinha um embasamento meio godardiano e que contrariava um pouco o cinema americano de grandes estúdios. Agora aquela história que inventaram, câmera na mão e idéia na cabeça, aquilo era papo furado. Porque a câmera deles era tudo no tripé e a idéia toda no papel. São frases bonitas que ajudam.

Não tem nada que eu tenha gostado especialmente do Cinema Novo. Eu só via e achava que o conjunto era importante. O que eu vi foi do Saraceni, que eu gosto muito, umas duas dele. Porto das caixas é uma das melhores coisas assim de um cinema meio poético. Uma beleza de coisa. Vi também os filmes de Carlos Diegues e Nelson Pereira, que se você pegar Vidas secas, não tem muito a ver com Cinema Novo, mas vamos lá, né? Acho Fome de amor um dos melhores, depois de Rio, quarenta graus é a melhor fita dele.

Eu gosto do Glauber Rocha como um cara que, com o carisma dele, a competência dele de falar, levou o cinema para fora do Brasil. Então essa é a grande importância que ele tem pra mim, e quase nenhum outro cara teve. Fazer fita todo mundo faz, até eu também faço. Então ele fez o Deus e o diabo na terra do sol, que dele me parece o melhor. Agora aquela outra volumosa – como se chama? – acho que é Terra em transe, aquela é uma fita igual a outra qualquer e muito bem feita.

Agora para mim a grande fita do Roberto Santos mesmo é Um anjo mau. Um trabalho de direção que é uma beleza, sabe? Todos os atores estão bem, a história está muito bem adaptada, de direção é uma das melhores que eu já vi , ninguém fala da puta da fita, né?

 
Campo Grande - MS, depois de uma “puta briga de araque” com o David Cardoso (19 mulheres e 1 homem).

Tem uns caras que se intitularam ou intitularam eles de marginais, e que de marginalidade esses filmes deles poderiam ser um ou dois, mas depois todo mundo se alinhou com a fita de consumo, naturalmente. A censura era muito violenta, e eles não podiam pôr as idéias porque eram todas revolucionárias.

O Ody Fraga, por exemplo, eu achava um cara assim muito culto, ele traduziu um livro do francês para o português, eu fiz as fotos para ele por no livro. A gente podia falar de cinema e com uma visão crítica boa, ele gostava do meu papo, achava engraçado.

O cinema é feito com todo tipo de gente e com todo tipo de tema. Quer dizer, se não tivesse Galante, Toni Vieira, mas não sei quem, eu não poderia fazer os meus filmecos também. Porque aí não se fazia nada, né?

Fernando Solanas é um cara muito bom de cinema, mas um cinema convencional. Falar que é convencional e acadêmico não quer dizer que é ruim. Quando ele passou por aqui, estava fazendo o filme A viagem, eu achei que a idéia era muito boa, mas o filme ficou uma merda.

Tem fita aí que está muito bem feitinha hoje, tecnicamente uma beleza, por quê? O roteirista era o Jean-Claude Bernardet, o cara que era o assistente de iluminação era não sei quem e não sei o que mais. Você vê, a fita é uma beleza. Agora, tira esses caras e vai na Boca. Pega uns caras lá pra trabalhar e leva esse diretor, vê o que é que a fita vira. Fica pior que qualquer Galante. Não estou dizendo que está errado, isso é um tipo de equipe, mas se esse diretor não tiver equipe, não pode atacar de Candeias, né? Se fodeu, se atacar de Candeias, está fudido... Porque o Godard fez uma escola, e deu resultado.

É um negócio muito bom falar de vanguardagem, mas francamente o cara que não sabe o que é a câmera e não sabe de nada, como é que ele pode fazer alguma coisa? Eu acho que o diretor tem que saber o que é a câmera e do que ela é capaz.

A margem era uma experiência de linguagem e quase que ninguém percebeu o fato ao me chamar de primitivo e naïf. Eu achei assim extraordinária a visão crítica de um bocado de gente tido como grande crítico. Quem saiu com isso acho que foi o Biáfora e a Pola Vartuck, os dois d’O Estado de S. Paulo. Agora, isso pra mim é não saber o que está fazendo, sabe?

Eu quero que se dane a opinião da crítica, o que eu sei fazer é aquilo que está na tela e pronto. A única coisa que eu sei é que quando vou fazer uma fita, vejo qual é o dinheiro que eu tenho e o que eu sei fazer, e vou fazer. Nunca me surpreendi com nada, deu o que eu queria, agora a reação vêm depois. A margem, como era a primeira fita, eu queria simplesmente fazer um filme, não tinha esse negócio, de repente ela fez sucesso de crítica e eu fiquei meio sem saber o que aconteceu. Depois, com o tempo, começou a encher o saco. E hoje ainda enche o saco, só se fala dela. Eu tenho outras fitas, não precisa falar dessa merda o tempo todo.