Aopção

Eu não me amarro a uma coisa só. Aopção era outra fita, não era nada disso, era uma outra coisa que eu ia fazer: a chapa do caminhão tinha um símbolo do infinito, uns negócios meio assim, e depois não deu nada disso, pus a máquina nas costas e fui fazer. Fiz sozinho, sem ninguém mesmo, apenas com um pessoal que eu peguei, não tinha outro jeito. Quando comecei peguei umas fitas que iam jogar fora, fazer silêncio delas. Depois teve um dinheiro da Embra. O Carlos Augusto Calil democratizou um pouco a Embrafilme. Ele me disse: “Nós temos dinheiro para finalização, ouvi dizer que você estava querendo terminar, topa?”. Eu entrei e o dinheiro saiu, e esse dinheiro veio mas eu não tinha mais firma jurídica. Levei um cara comigo, o cara pegou o dinheiro todo e quase que não sobrou pra terminar a fita, terminei ela praticamente com nada.

Eu faço um personagem no Aopção porque não tinha jeito de trazer um ator e o papel era de um chofer de caminhão, por isso eu fiz. A atitude do caminhoneiro de dar comida para a prostituta era uma coisa que eu via nas estradas, então achei que isso seria bom. Agora tem aquele outro personagem caminhoneiro que trepa, aí eu deixei outro trepar, se não iam me esculhambar: “Você só trepa porque é diretor”. No filme coloco coisas da própria profissão de caminhoneiro nas cenas de sexo. Quando o cara vê um bundão bonito daqueles ele bate com o martelo, ele vê se o pinto está duro e também dá pancada e é claro que ele faria essas coisas. Outro cara vai trepar com a mão na graxa, não tem vaselina mesmo. E eu faço as cenas de sexo secas porque eu acho que é muito seco essas mulheres dando sem querer fazer sexo. Não faço aquele sexo elaborado, ou elaborado falsamente, como todo mundo faz, eu não tenho isso.

Eu fiz uma coisa que ficou parecida com o Encouraçado Potemkin, mas não tem nada a ver com o Potemkin, porque ela é toda construída com imagens, tomadas sem muita luz, só com lógica, com relação mesmo, só com lógica visual. Ou então só com a temática também, porque isso tudo é estrada e é o caso do Potemkin, e nunca crítico nenhum falou isso. Dá tudo certo, está todo fragmentado, mas está tudo dentro de uma revolta, tudo ali. Mesmo quando aparece a escadaria, é a revolta. Aopção tem isso.

Tinha uns caras do Festival de Locarno que gostavam dos meus filmes, não sei bem por quê, nunca conheci e não me lembro o nome deles. Foram na Embra e falaram com o Calil, pedindo uma cópia do Aopção para o festival. Parece que havia lá na Embra muita pressão para o filme não ir. Mas como os caras pediram ao Calil, ele pegou uma cópia e mandou para lá. Eu peguei o prêmio do júri, o Leopardo de Bronze. Aí disseram que iriam trazer o troféu e um prêmio de mil ou 2 mil dólares. O dinheiro eu nunca vi, mas o troféu eu recebi.