Portal Brasileiro de Cinema  Bárbara Fazio

Bárbara Fazio

 
Agnaldo Rayol, Bárbara Fazio, Candeias e David Cardoso durante filmagens de A herança.

Quando assisti A margem, fiquei maravilhada. Como um filme que mostrava tanta pobreza e realidade podia ser tão bonito?

O Candeias é um esteta. Eu e meu marido, Walter George Durst, saímos do cinema em estado de graça. Um tempo depois, meu marido trabalhava na TV Cultura e recebeu a visita do cantor e compositor Fernando Lona, que justa-mente falou sobre o Candeias e disse que ele ia fazer outro filme, O Hamlet Caboclo, com David Cardoso. Imediatamente, meu marido insitiu ao Lona que me indicasse para o papel da rainha Gertrudes. O Candeias me telefonou e pediu que eu fosse na rua Triunfo (a Boca ) para ele me conhecer e tirar umas fotos. Fui aprovada.

Os dias de filmagem eram curiosíssimos: nessa época, eu morava na rua Tucumã e o Candeias me pegava na esquina da Cidade Jardim, às seis da manhã. Ele aparecia em um jipe caindo aos pedaços, já com alguns outros atores que trazia da Boca. No caminho, ríamos muito e conversávamos sobre cinema, filmes, diretores e abobrinhas. Chegávamos em Itapecerica e íamos para a sede de um clube, um salão grande que tinha um varal onde nossas roupas ficavam penduradas, e o Candeias indicava: “você veste isto, você aquilo”, e assim por diante.

Começava a filmagem: cada dia num lugar diferente, sempre em Itapecerica e sempre ao ar livre. O astral então mudava completamente. Ele fechava a cara, não explicava nada, só dizia: “você fica aqui”, “você vai até lá e abraça o filho”, coisas desse tipo, sem indicar se era para sentir alguma espécie de emoção e o que estava acontecendo na história. Era um clima pré-Freud.

Não havia maquiagem alguma, era tudo de cara lavada. Eu ficava nervosíssima, com a preocupação de não errar e ao mesmo tempo querendo corresponder. O mais impressionante é que era um clima de amor, admiração e confiança. Sabíamos que ele tinha muito talento e queríamos fazer o melhor possível. Mas o filme estava só na cabeça dele, não havia roteiro nem diálogos. Era um filme de autor, ele mesmo criava as cenas, guiava o jipe, ele mesmo escolhia os lugares, ele mesmo fotografava, ele mesmo fazia o figurino. Ficamos uns seis meses filmando.