Portal Brasileiro de Cinema  MANELÃO, O CAÇADOR DE ORELHAS

MANELÃO, O CAÇADOR DE ORELHAS

Ficção, 1982, 35 mm, Cor, 81 min

 
 

 

 

No interior do Centro-Sul, um caboclo doente, sem dinheiro nem profissão, alcunhado Manelão, é contratado por ricos latifundiários interessados em ajustar contas de família e em vinganças pessoais. Manelão quase não fala, e seu silêncio de matador tem uma marca: ele arranca a orelha da vítima e a entrega a quem encomendou a morte.

 

Em se tratando de Ozualdo Candeias, uma das falsas impressões a ter seria a dialética entre campo e cidade, na qual o ambiente rural ainda estaria livre de certo modo de vida degenerado e anticomunitário. Nunca foi fácil provar essa tese, mas assistindo a Manelão torna-se impossível aceitá-la: o campo é filmado de forma impiedosa, naquilo que tem de mais massacrante e individualista, onde a precariedade dos padrões de higiene se reflete na psicologia embrutecida dos personagens, e a câmera, em vez de esconder os recantos menos honoráveis da psicologia humana, vai justamente atrás deles, para melhor demarcar uma observação freqüente a respeito da visão de mundo do cineasta: espalhado em todos os lados do mundo, há um único inferno para todos nós. O céu está a cada um por fazer. Cidade e campo, longe de estabelecerem uma dialética, são antes tomados por uma complementaridade, são apenas duas formas diferentes de um mesmo inferno (a esse respeito, Aopção, feito logo antes, parece ser não só a tese como também a comprovação).

Os matadores profissionais são sempre passíveis de alguma glamorização. Ágeis, impiedosos, revestidos de uma profundidade de quem é senhor da vida e da morte alheias, ainda assumem um estatuto quase filosófico ao se colocarem no limiar do princípio social (como ganhar a vida destruindo a vida alheia?) e definitivamente fora-da-lei. Manelão, o matador de Candeias, nada tem de glamoroso e muito menos de herói. Se mata, é por simples questão de necessidade. No começo do filme, Manelão chega mancando a um posto médico para ser tratado de uma doença venérea e, tendo perdido o cavalo e trocado o resto de suas posses por comida, não tem como pagar ao médico. O doutor oferece-lhe um trato: resolverá o problema, mas, em troca, o simplório camponês terá que matar um desafeto da região. A partir daí, todas as mortes que passam pelas mãos de Manelão têm um dado de necessidade, econômica ou moral (como quando mata o homem que abusou da pureza de uma moça e não quis casar com ela).

Filmado quase sempre de muito longe, com o close várias vezes indo e vindo, Manelão constrói cada cena com uma muralha de mistério. Um mistério que nos intriga e uma força visual e moral que derrota toda previsibilidade.

Ruy Gardnier

Direção, roteiro, fotografia, montagem e produção: Ozualdo R. Candeias.

Música: Brandão e Zé Barqueiro.

Cia. produtora: Candeias Produções Cinematográficas, Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo e Embrafilme.

Elenco: Nabor Rodrigues, Daniel Santos, Jack Barbosa, Laura Boaventura, Vânia Bonier, Durvalino Souza, Índia Rubia, Alaor Norton, Áurea Goular e Donizeti Silva.