Portal Brasileiro de Cinema  Candeias, ator

Candeias, ator

Ruy Gardnier

 
Sinal vermelho, as fêmeas (Alemanha)
 
O ritual dos sádicos
 
19 mulheres e 1 homem

Em O despertar da besta, de José Mojica Marins, Ozualdo Candeias interpreta um dos “viciados” que são cobaias de um cientista que, para comprovar que a auto-sugestão pode causar alucinações, injeta água em vez de droga no sangue deles. São quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, nenhum ator profissional, como é costume nos filmes de Mojica. Nesse filme estranho e selvagem, é a eles, subalternos à trama, que é dada a possibilidade de melhor representar, tanto pelos minutos que lhes são dados como pela pregnância dos tipos que desempenham (basicamente sofrendo ou recebendo prazer absoluto advindo das trips que o “ácido” provoca).

 
O despertar da besta

Vemos os personagens em seu cotidiano, depois sendo contatados para a experiência em excursões artísticas (onde vão ver, entre outros, um filme do Zé do Caixão e uma peça de José Celso Martinez Correa) e, por fim e com mais força, nas alucinações que vêm às suas cabeças depois da injeção. O curioso a respeito dessa última seqüência é que Candeias escolhe um método diferente para atuar. Como é notório, os não-atores geralmente são um problema para os encenadores, não porque não consigam atingir determinada expressão, mas porque, para mostrar serviço, desenvolvem mil caras e bocas, quando na verdade deveriam escolher apenas pequeno número de gestos e movimentos para representar cada ação. É o que faz a senhora drogada do filme, quase uma pin up em fim de carreira, que, sob pretexto de atuar, elabora os rostos mais absurdos e as mais patéticas expressões de medo e prazer. Candeias, ao contrário, permanece lá: apenas uma pose, eternamente a do machão enfezado, sem paciência (que ele pode desempenhar muito bem, inclusive na vida real), que pode até perder os sentidos, mas não a compostura. Os gestos são muito poucos, e também pouco pensados.

 
19 mulheres e 1 homem

Como ator, Candeias é absolutamente espontâneo, não acredita em gestos exagerados ou deformadores da vida real que, quando transpostos ao espetáculo, assumem uma vultosidade sobre-humana. Sua atuação episódica em filmes como O bandido da luz vermelha, O despertar da besta ou Dezenove mulheres e um homem, por mais diferente que possa ser em cada ocasião, guarda um incrível paralelo com seu próprio modo de dirigir os não-atores de seus filmes: contidos, minimalistas, esquemáticos e de preferência taciturnos, como se tivessem saído de um filme de Robert Bresson.