A MARGEM

Ficção, 1967, 35 mm, P&B, 96 min

assista a um trecho
 
 

Inspirado em acontecimentos reais publicados em jornais popularescos, o filme aborda o dia-a-dia da população pobre que vive às margens do rio Tietê através das experiências de quatro personagens. Estes observam logo de início o surgimento no rio de uma mulher numa canoa; ela como que anuncia a morte dos quatro, que ocorrerá na segunda parte do filme.

Recebido já no seu lançamento com o entusiasmo de críticos tão diferentes como Moniz Vianna, Alex Viany ou Rubem Biáfora, e em geral relacionado nas listas dos melhores do cinema brasileiro e nas grandes mostras retrospectivas, A margem permanece como enigma, pois sua fortuna crítica de forma geral limita-se a tentar enumerar as influências do diretor ou salientar reiteradamente os mesmos elementos estilísticos – por exemplo, a utilização do ponto de vista subjetivo na primeira metade da fita.

Mesmo tendo servido de inspiração para os diretores do Cinema Marginal, o filme pouco se relaciona estética ou ideologicamente com as obras desse movimento, cuja reiteração da escatologia e da violência nada tem em comum com o filme de Candeias. Ao mesmo tempo que há uma série de referências cinematográficas passíveis de serem aduzidas a partir de A margem (Limite, avantgarde francesa, Pasolini, Buñuel etc.), seu arcabouço estético não sustenta tais comparações para além de momentos muito pontuais.

 

O fio da trama, em torno de dois casais cujas relações amorosas não se completam, serve tão-somente de desculpa para discussões mais complexas, mas ao prender-se a essa trama, boa parte dos analistas do filme acabaram julgando-o e ao seu diretor naïfs, opinião completamente improcedente.

O filme, tal como a figura da morte ali representada – e nunca será de mais reprisar a excelência desse aparecimento na seqüência de abertura, marcada pelo clima de suspense criado pela música e pelos olhares dos personagens centrais –, desafia seus espectadores de forma muito intensa, pois, apesar do seu idealismo, já está presente uma das recorrências da obra de Ozualdo Candeias: a deambulação física e existencial dos explorados – lembrando que a deambulação constitui uma das chaves para a compreensão do cinema moderno de forma geral (vide o Roberto Rosselini de Alemanha, ano zero, 1947, ou o Jean-Luc Godard de Acossado, 1959, dois exemplos bem expressivos).

 

Os personagens centrais andam no entorno do rio Tietê, andam por matagais ermos, andam próximos de canteiros de obras, andam pelos escombros de uma igreja, andam pelo centro da grande cidade. Andam, andam e andam, e não encontram pouso nem sossego em nenhum lugar, instigante representação cinematográfica do vagar da consciência humana por culpas, ausências, recalques, medos, paixões e ressentimentos. Como A margem apenas aponta para tudo isso, sem fazer os personagens declinarem longos discursos sobre sua situação nem evidenciarem tais problemas, a força da representação torna-se exponencialmente maior.

A paz só vem com a morte, permitindo aos personagens o fim dessa deambulação das consciências, e aqui novamente há grande força estética no plano que apresenta a morte e os outros quatro personagens dentro do barco, com o poente ao fundo.

Arthur Autran

Direção, roteiro, montagem e produção: Ozualdo R. Candeias.

Fotografia: Belarmino Manccini.

Música: Luiz Chaves e Zimbo Trio.

Elenco: Mário Benvenutti, Valéria Vidal, Bentinho, Lucy Rangel, Telé, Karé, Paula Ramos, Brigitte, Ana F. Mendonça, Paulo Gaeta e Nelson Gasparini.

Prêmios: Coruja de Ouro de Direção, Atriz Coadjuvante e Música de 1967 – prêmio ofertado pelo INC (Instituto Nacional de Cinema)/ Adicional de Qualidade de 1968 – prêmio ofertado pelo INC/ Menção Honrosa para a Música e para a Atriz no III Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1967/ Governador do Estado de São Paulo de Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Música de 1967.